28 fevereiro, 2007

Os Governadores Petistas e a Transposição

Roberto Malvezzi, Gogó *

Adital - Um desafio ético e político se coloca para os governadores petistas eleitos no Nordeste -Wagner da Bahia, Deda do Sergipe e Wellington do Piauí -, isto é, como vão se posicionar diante da transposição do rio São Francisco?
Não é apenas uma questão de aliarem-se ou não com o governo federal, já que todos são do PT. Trata-se de como irão se explicar diante dos seus eleitores em cada estado. Não se trata apenas de ceder ou não água para outros estados do setentrional, mas de uma opção pela transposição ou de exigirem as obras propostas pela ANA (Agência Nacional de Águas) que resolveriam os problemas de todos os núcleos urbanos do Nordeste acima de cinco mil pessoas. Na primeira opção, a da transposição, Bahia, Sergipe, Piauí e Alagoas estão excluídos. Nasegunda opção, obras propostas pela ANA, todos os estados do Nordeste estão incluídos, inclusive os estados por eles governados.

É claro que a saída mais cômoda para os governadores petistas é apoiar a transposição e cobrar compensações para seus estados. Mas elas são conflitivas e até excludentes. O PAC destina aproximadamente 12 bilhões para obras de "recursos hídricos", mas a transposição levará 50% desse orçamento, aproximadamente 6,6 bilhões de reais, dois bilhões a mais do que se orçava até dias atrás. Pois bem, tendo que escolher entre uma e outra, qual será a opção dos governadores petistas? Vão abandonar seus estados? Vão abandonar seus eleitores? Por que irão optar por uma obra de alcance restrito quando poderiam optar por um conjunto de obras que beneficiaram a todos?

Esse dilema pode estar escapando do alcance da população nesse momento, porém, mais cedo ou mais tarde, ele virá a público e o povo vai saber qual foi a opção dos governadores.

Além do mais, existe o desafio do imenso meio rural nordestino, com quase 12 milhões de habitantes, que não serão beneficiados pela transposição. Para eles é necessária a política de captação de água de chuva tanto para consumo humano como para produção. Uma cisterna simples para consumo humano está em torno de R$ 1,5 mil reais. Porém, a cisterna de 50 mil litros para produção, juntamente com os canteiros, está saindo aproximadamente por cinco mil reais. Portanto, um milhão de cisternas para produção custaria aproximada cinco bilhões de reais. Onde os governadores irão buscar esses recursos?

Logo, essa decisão é política, porque eles têm duas escolhas e terão que fazer uma. Mas também é ética, já que poderão optar por obras que resolvem os problemas básicos do povo, ou por uma obra que privilegia especialmente o agro e o hidronegócios.

* Agente Pastoral da Comissão Pastoral da Terra (CPT)

Ecologia e Socialismo

Por Michael Lowi (extraído de www.brasildefato.com.br)

É importante ir construindo a relação entre as lutas sociais e as ambientais, pois elas tendem a concordar, unidas ao redor de objetivos comuns. [...] A luta pelo transporte coletivo moderno e gratuito é um combate para avançar na solução do problema da poluição do ar. Conquistar uma rede de transporte público gratuito significa que a circulação de automóveis vai diminuir, que a poluição será menor, que o ar se tornará mais respirável.

Quando o tema é ecologia e socialismo, o primeiro a ser considerado é até que ponto a razão capitalista está levando o nosso pequeno planeta - e os seres vivos que o habitam - a uma situação catastrófica do ponto de vista do meio-ambiente, das condições de sobrevivência da vida humana e da vida em geral. Aproxima-se um desastre de proporções ainda incalculáveis e os sinais disso já são visíveis.

Atualmente estão se produzindo tempestades tropicais que já assolaram regiões dos Estados Unidos. Especialistas no tema acenam para a possibilidade de que esses desastres chamados naturais tenham relação com o aquecimento global do planeta e das águas oceânicas.

Os dramáticos resultados do desequilíbrio ecológico provocado pela lógica destrutiva da acumulação capitalista são agora evidentes, e os sofreremos ainda mais dentro de dois, dez, cinqüenta anos. Não é uma questão para ser resolvida dentro de um século, nem sequer para trinta anos, é para agora; portanto, requer uma urgente resposta política, ética e humana.

Como a oligarquia dominante está enfrentando estes problemas? Sua resposta é lamentável. Os setores ecologicamente mais avançados do capital internacional - a burguesia européia e outras, como os japoneses - chegaram a um acordo para encarar o problema que consideravam de maior urgência, que é o do efeito estufa: o chamado Protocolo de Kyoto.

Daqui a alguns anos, esse efeito estufa vai provocar o degelo nas zonas glaciais, com o que o nível do mar vai subir, inundando várias cidades costeiras. Este é um cenário bastante provável, e pode estar começando agora mesmo, com o exemplo mais conhecido da tragédia de Nova Orleans.

A resposta dos capitalistas mais conscientes, mais abertos à questão ecológica, se resume no Protocolo de Kyoto, que é absolutamente insuficiente. O Protocolo busca, eventualmente, estabilizar o efeito estufa para dentro de 10 ou 15 anos, com base num mecanismo absurdo chamado "mercado dos direitos de poluir". Os países mais ricos seguem poluindo o mundo, mas baseados na possibilidade de comprar dos países pobres o direito de poluir o que eles não utilizam. Transformam o direito de poluir em mercadoria. Deste modo, as nações continuam poluindo: tanto quanto podem ou estejam dispostos a pagar. Isso é o mais avançado que a elite dominante conseguiu produzir.

Esse acordo mínimo, vazio, falido, é perfeitamente incapaz de responder ao problema: os Estados Unidos, que são o país mais poluidor do mundo, se negam a assinar o Tratado de Kyoto e, enquanto isso, seguem desenvolvendo sua economia na lógica da destruição e da poluição.

O ecossocialismo

Necessitamos pensar em soluções radicais para esse problema. A solução de Kyoto é absolutamente insuficiente e rechaçada pelos Estados Unidos. Se vamos pensar em termos de soluções radicais, necessitamos pensar na questão do socialismo. Por isso, existe um movimento, uma idéia, um programa, que é o ecossocialismo.

O ecossocialismo parte de algumas idéias fundamentais de Marx sobre a lógica do capital e de alguns dos descobrimentos, avanços e conquistas científicas do movimento ecológico e da ciência ecológica. Marx não havia colocado ainda a questão da ecologia em sua análise porque, na sua época, a questão era muito pouco evidente. Mas ele afirma, em O Capital, que o sistema capitalista esgota as forças do trabalhador e as forças da Terra. Traça um paralelo entre o esgotamento do trabalhador e o esgotamento do planeta. Portanto, o desenvolvimento do capitalismo acaba com a natureza.

As atuais fontes de energia do capitalismo são nocivas e perigosas; o que é perigoso para o meio-ambiente, também o é para a humanidade: quer sejam as energias fósseis, em particular o petróleo que vai acabar dentro de algumas décadas - e se sabe matematicamente que vai acabar -, quer seja a energia atômica, que é uma falsa alternativa, pois o lixo nuclear é um problema gigantesco, muito perigoso, e que ninguém consegue resolver.

Então, a transformação revolucionária das forças produtivas passa pela questão das novas fontes de energia, pelas chamadas fontes de energia renováveis. No lugar do petróleo poluidor e da energia nuclear devastadora, necessita-se buscar energias renováveis, como a energia solar. Mas ela não interessa aos capitalistas, porque é gratuita, difícil de vender e não é mercadoria.

O capitalismo não se interessa pela energia solar, não investe em seu desenvolvimento. Obviamente, do ponto de vista socialista, é absolutamente prioritária a pesquisa científica e o desenvolvimento tecnológico da energia solar. Não é a única, mas, com certeza terá um papel central no processo de transformação radical do projeto ecossocialista.

Por isso, alguns velhos socialistas relacionam diretamente nossa utopia revolucionária, o socialismo, o comunismo, com o Sol, com a energia solar. Essa expressão de "comunismo solar" já aparece em alguns trabalhos de ecossocialistas. Haveria uma espécie de profunda afinidade entre a energia solar e o projeto comunista.

Os balanços negativos

Outro tema que deve ser examinado é o balanço negativo do que foi, a partir da visão ecológica, a experiência do chamado "socialismo real" da União Soviética e outros Estados burocráticos. Do ponto de vista da transformação do aparelho produtivo, que avançou muito pouco, os resultados foram enormes catástrofes ecológicas. Essa experiência é um caminho que nós não devemos seguir.

Outro balanço negativo é o do reformismo verde. Os partidos verdes que se formaram nos anos sessenta e setenta, no começo com certa perspectiva radical, terminaram quase todos, entrando em governos de centro-esquerda e convertendo-se ao social-liberalismo. As soluções que se requerem não passam por uma reforma ecológica aqui ou acolá; isso não resolve nenhum dos problemas. O balanço desse eco-reformismo verde é, portanto, bastante decepcionante.

Necessitamos levantar esta utopia revolucionária, essa possibilidade que é o ecossocialismo, que é o comunismo solar. A probabilidade de uma transformação radical da sociedade implica a expropriação do Capital. Mas, ficar apenas na expropriação dos capitalistas não enfrentará a questão do meio-ambiente.

A perspectiva ecológica, compreendida na sua radicalidade como a própria perspectiva socialista, implica a superação do capitalismo, a possibilidade de uma sociedade mais humana, justa, igualitária, democrática e capaz de estabelecer uma relação harmoniosa dos seres humanos entre si e com o meio-ambiente, com a natureza.

Não basta estabelecer este objetivo, essa utopia revolucionária. É preciso começar a construir esse futuro desde já. É necessário participar de todas as lutas, inclusive das mais modestas; como, por exemplo, a de uma comunidade que se defende contra uma empresa poluidora; ou a defesa de uma parte da natureza que esteja ameaçada por um projeto comercial destrutivo.

É importante ir construindo a relação entre as lutas sociais e as ambientais, pois elas tendem a concordar, unidas ao redor de objetivos comuns. Por exemplo, as comunidades indígenas ou camponesas que enfrentam as multinacionais desenvolvem um combate antiimperialista, mas também social e ecológico. A luta pelo transporte coletivo moderno e gratuito é um combate para avançar na solução do problema da poluição do ar. Conquistar uma rede de transporte público gratuito significa que a circulação de automóveis vai diminuir, que a poluição será menor, que o ar se tornará mais respirável.

Necessitamos perceber como, na prática, com essa perspectiva radical, as batalhas diárias vão se combinando, convergindo, articulando.

Hoje o ecossocialismo é não só trabalho de pensadores ou revistas especializadas, está presente nos movimentos sociais; mesmo que alguns deles não se chamem ecologistas ou socialistas, está presente no espírito, na radicalidade, na dinâmica dos movimentos sociais, em particular nas nações do Terceiro Mundo como a Índia, os países africanos e os latino-americanos.

Mas alguns ideólogos da ecologia colocam falsos problemas. Por exemplo, que a degradação do meio-ambiente é culpa de nosso consumismo, que cada um de nós consome muito, que é necessário reduzir o consumo para proteger o meio-ambiente. Isso responsabiliza os indivíduos e redime o sistema. É verdade que o consumo dos indivíduos é um problema, mas o consumo do sistema capitalista, do militarismo capitalista, da lógica de acumulação do capital, é muito maior.

Então, em vez de apregoar a autolimitação individual, é necessário chamar à organização para lutar contra o sistema capitalista; essa deve ser nossa resposta.

Outra visão equivocada é aquela que declara que a culpa é do ser humano, que mediante o antropocentrismo e o humanismo se pôs no centro e desprezou os outros seres vivos. Creio que esta concepção causa falsos problemas. Porque é do interesse da humanidade, da sobrevivência dos seres humanos, dos homens e das mulheres, preservar o meio do qual dependem inevitavelmente.

Não se trata de contrapor a sobrevivência humana à de outras espécies, trata-se de entender que elas são inseparáveis e que nossa sobrevivência como seres humanos depende da salvaguarda do equilíbrio ecológico e da diversidade das espécies; portanto, desde o ecossocialismo estaríamos falando de um humanismo biocentrista.

Michael Löwy é cientista social, leciona na Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais da Universidad de Paris. É autor de As aventuras de Karl Marx contra o Barão de Münchhausen (Cortez Editora, 1998) e A estrela da manhã. Surrealismo e marxismo. (Civilização Brasileira, 2002), entre outras obras.

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Texto muito bom, exceto pela história de Utopia, Utopia...
Gostei do termo comunismo solar :)