25 dezembro, 2007

O Governo Lula e a crise institucional da UFBA

Luiz Filgueiras*


Tempos estranhos... e difíceis. O artigo do jornalista/professor e ex-deputado do PT Emiliano José, publicado neste jornal no últimodia 10 de dezembro, expressa de forma paradigmática os novos tempos.

No afã de fazer a defesa da atual administração da UFBA, em particular do Reitor Naomar Almeida, inicia a sua argumentação fazendo a defesa da política educacional do Governo Lula. Em
particular, defende o uso de verba pública para reforçar e sustentar o ensino privado (PROUNI) e a "adesão" das universidades públicas ao REUNI – com base numa série de números virtuais referentes a este programa e sem nenhuma garantia do volume de recursos que será destinado às universidades.

Alguns dias antes, neste mesmo jornal, o professor Aurélio Lacerda, respondendo à crítica do Presidente Estadual do PT ao pedido do Reitor de reintegração de posse da Reitoria ocupada pelos estudantes - que possibilitou a entrada da Polícia Federal na UFBA - , finaliza o seu artigo (assinado na qualidade de Chefe de Gabinete do Reitor) com a seguinte afirmação, dirigida ao Presidente do PT: "... parece que o Governo Lula é mais nosso do que vosso".

Essas duas manifestações são apenas a ponta do iceberg de um processo bem mais profundo e que vem se desenrolando desde o início do Governo Lula. Na verdade, trata-se de um fenômeno de dupla natureza. De um lado, verificou-se uma operação de transformismo político nunca antes vista na história brasileira – com a adesão desse governo e do PT, no início de forma envergonhada e depois de forma explícita, ao ideário dos antigos adversários situados à direita do espectro político (PFL/DEM e PSDB). Daí o predomínio atual da "pequena política", a ausência do debate de grandes projetos e a "fulanização" dos processos políticos que ora assistimos (Renan Calheiros et carteva). Muito recentemente, o Presidente Lula, a propósito do debate acerca da CPMF, sintetizou esse fenômeno de forma bastante feliz, ao qualificar a si próprio como uma "metamorfose ambulante".

De outro lado, o Governo Lula e o PT reafirmaram todos os velhos métodos e vícios de se fazer política, amplamente praticados por seus (ex) adversários: fisiologismo, nepotismo, empreguismo, barganhas inconfessáveis com o Congresso Nacional através das famigeradas emendas parlamentares individuais e "caixa dois". A novidade aqui foi à construção de um amálgama entre governo, partido, sindicato e instituições do Estado que são juridicamente autônomas, como é o caso das universidades públicas – construindo-se uma verdadeira correia de transmissão, hierarquizada de cima para baixo.

No dia a dia das instituições esse processo se expressa num permanente estado de "ordem unida": tudo que vier do Governo Lula tem que ser aceito e defendido com "unhas e dentes", mesmo que se atropelem as instâncias democráticas, os tempos e ritos normais de tramitação das matérias, o debate profundo do conteúdo das propostas e o direito da crítica. Essa é a razão mais profunda da atual crise institucional da UFBA, que se expressa nos seguintes pontos mais imediatos: 1- A aprovação do REUNI sem nenhuma discussão, numa reunião completamente tumultuada, que não respeitou regras básicas da tradição e do regimento do Conselho Universitário da Instituição, levando dez Diretores de Faculdades e Institutos a denunciarem a sua ilegalidade. 2- O pedido de reintegração de posse da Reitoria, que possibilitou, de forma inédita nos 51 anos de existência da UFBA, a entrada da Polícia Federal no campus universitário, com atos de violência contra os estudantes. 3- E, mais recentemente, a prisão da Procuradora Geral da UFBA pela polícia federal, também um fato inédito, na denominada operação "Jaleco Branco" – referente a crimes contra órgãos públicos, através de fraude em licitações. Nesses três episódios, o comportamento da administração da UFBA foi lamentável, para dizer o mínimo.

Afirmar que esse processo se configura em uma crise de transformação – como quer o jornalista/professor -, apoiando-se indevidamente em Albert Hirschman, ou acusar os críticos da política educacional do Governo Lula, de forma grosseira e contra todas as evidências, de serem contra o aumento de vagas nas universidades públicas e os cursos noturnos, não contribui para o debate e partidariza, mais uma vez, um tema que diz respeito ao futuro da universidade pública; em especial, a qualidade do ensino, da pesquisa e da extensão.

Por fim, tentar rotular as divergências colocando de um lado conservadores de direita e de esquerda e de outro, suponho, progressistas de direita e de esquerda também é sinal dos tempos, próprio do discurso pós-moderno que confunde propositalmente os campos ideológicos e nega a distinção fundamental entre os dois lados da política moderna, desde a Revolução Francesa: a esquerda e a direita.

A propósito, quando o Governo Lula mantém o mesmo modelo econômico sob a hegemonia do capital financeiro, a mesma política macroeconômica ortodoxa, a mesma política social (programas focalizados de combate à pobreza), os mesmos métodos políticos "heterodoxos" de seus (ex) adversários e as mesmas fontes e formas de financiamento das campanhas ele é de direita (progressista/conservadora) ou de esquerda? Ou ele é, simplesmente, uma "metamorfose ambulante"?


* Professor e ex-Diretor da Faculdade de Ciências Econômicas da UFBA. Autor dos livros "História do Plano Real" (Editora Boitempo) e "A Economia Política do Governo Lula"(Editora Contraponto).

23 dezembro, 2007

O ano em que os escrúpulos saíram de férias

Escrito por Fernando Silva

21-Dez-2007

A greve de fome de Dom Luiz Cappio contra a transposição do rio São Francisco simboliza o que foi o ano de 2007 no cenário da política: uma profunda aliança do governo Lula com os interesses do grande capital, dos grandes negócios, e uma arrogância e ausência de escrúpulos sem limites no trato com as demandas e direitos dos movimentos sociais e populares.

O ilusionismo que pode ser gerado em torno das políticas sociais compensatórias e da estabilidade econômica (beneficiado pela maré de crescimento mundial nos últimos quatro anos, que dá sinais de estar chegando abruptamente ao fim) não é o suficiente para deixarmos de pontuar as diretrizes gerais do governo.

O aprofundamento de uma política econômica de subordinação extraordinária aos interesses do capital financeiro, a entrega da infra-estrutura e reservas naturais do país ao capital privado pela via do PAC, o projeto de avanço selvagem do agronegócio através do etanol, a criminalização dos movimentos sociais e do direito de greve e a busca da retirada de direitos foram pontos centrais da verdadeira agenda do governo Lula e, bom que se diga, dos governos estaduais e municipais do bloco tucano.

E tal agenda vem sob a base do cinismo, afinal, o chefe dos aloprados acabou de ser reconduzido à presidência do PT. E para a cúpula governamental e do partido não importa que um dos custos do etanol seja a vergonhosa condição de trabalho de 1,2 milhão de cortadores-de-cana no país, nem que existam governos petistas tão lamentáveis e moralmente corrompidos como os de Ana Júlia e Jacques Wagner.

Não é por acaso que a corrupção e as denúncias freqüentes envolvendo “altos dignatários” da República e do Senado também tenham feito parte da “agenda 2007”.

Bem, para a manutenção do nosso próprio bem estar, paremos de falar e enumerar tanta desfaçatez e impunidade que correram pelo ano.

Basta para fechar este bloco citar a aprovação recente da DRU até 2011, outro episódio que também fala por um ano de governo Lula e explicita ainda mais o caráter farsesco da oposição tucano-democrata. Este sim, o verdadeiro golpe na saúde pública, pois permite ao governo continuar desviando 20% dos recursos da União (da Seguridade Social e Educação em particular) para o pagamento da dívida pública. Serão desviados por volta de R$ 86 bilhões de reais apenas em 2008.

Os “novos” impasses na esquerda socialista

No ano de 2007, no entanto, também ocorreu uma retomada de lutas e resistência social a essa agenda e condutas infames.

Especialmente no primeiro semestre, quando diversos setores sociais da classe trabalhadora e dos movimentos populares se mobilizaram em torno de uma pauta de defesa dos direitos, que permitiu a ocorrência de um amplo encontro unitário em março, com mais de 6 mil militantes e uma jornada de lutas em torno de uma ação unificada no dia 23 de maio.

Como parte deste processo, merece ser observado que há uma nova geração no movimento estudantil universitário, bastante combativa e também muito crítica, que de maneira geral questiona profundamente práticas e estratégias que estão carimbadas na conduta da maior parte da esquerda e das suas representações políticas e sindicais.

É a partir daqui que entramos na reflexão final deste ano.

A falência política e moral do PT e do governo Lula colocaram um encerramento de ciclo na esquerda brasileira e, acima de tudo, colocaram o desafio de reconstruir uma sólida frente de resistência, especialmente entre todos os setores que compreendem a natureza do atual governo e os impasses para o país e a maioria da sua população.

Mas mesmo considerando que estamos no início de um nova empreitada histórica, os passos até aqui foram extremamente tímidos.

Os impasses nessa ampla e combativa esquerda, que foi capaz de realizar marchas como a de 24 de outubro e jornadas como a do 1º semestre, já são visíveis.

Há setores que continuam com ilusões em requentar a estratégia de chegada ao poder pela via institucional; há outros que mantêm uma rotina e uma prática nos movimentos sindical e sociais que são oriundos de um longo período de refluxo e burocratização.

Pouca reflexão com os erros do passado agravam o distanciamento da esquerda combativa de uma implantação no povo para oferecer e reformatar uma alternativa de massas e socialista.

A questão é que o tempo urge contra nós. A agenda predatória do capitalismo imperialista continuará a pleno vapor, e não há esperança nos marcos dos modelos atuais, menos ainda em governos covardes como o de Lula, cordeiro aos interesses do grande capital e “corajoso” para hostilizar gestos e atitudes de gente da estatura moral de um Dom Luiz Cappio.

Temos a nosso favor uma maré positiva na América Latina em relação a processos de ruptura com o modelo neoliberal.

Também por isso, no Brasil, partidos, sindicatos e movimentos sociais da esquerda combativa precisam criar condições e espaços para realmente colocar um debate sobre estratégia, que parta de buscar a formação de uma sólida frente única de ação e resistência.

O Brasil precisa, mais do que nunca, de um projeto de ruptura anti-capitalista, que rompa com os velhos erros que levaram o PT e a CUT a serem o que são hoje. A classe trabalhadora, a juventude e os setores mais marginalizados do povo não merecem novos anos como o de 2007.

Fernando Silva é jornalista, membro do Diretório Nacional do PSOL e do conselho editorial da revista Debate Socialista.

18 dezembro, 2007

A legitimidade da greve de fome do Bispo que jejua por nós

Escrito por Valério Arcary
17-Dez-2007

D. Luiz Cappio mantém, com valentia admirável, a greve de fome exigindo do governo Lula a suspensão das obras de transposição do rio São Francisco. Sua luta merece o apoio de todos. A transposição é um projeto mais do que controverso: já são muito consistentes as críticas que asseguram que os bilhões de reais não serão suficientes para garantir a acessibilidade à água potável. São interesses empresariais que se escondem por trás do discurso de “levar água a quem tem sede”. Mas há uma outra dimensão na greve de fome de D.Cappio. A legitimidade da greve de fome como forma de luta foi colocada em cheque pelas forças que apóiam o governo, em primeiríssimo lugar, pelos dirigentes do PT, que mobilizaram Patrus Ananias, militante católico, para acusar D. Cappio de extremista e radical. Esta acusação não é inocente. Tem como objetivo diminuir a simpatia social, reduzir a audiência política e isolar a repercussão internacional da greve de fome.

As greves de fome foram no século XX, em todos os continentes, uma das formas da luta defensiva por direitos democráticos elementares. Sua legitimidade, histórica e politicamente, é irrefutável. Ganhou destaque mundial a partir das greves de fome de Gandhi contra a opressão colonial inglesa na Índia antes da independência, inserida em uma estratégia de desobediência civil. Na Bolívia, por exemplo, há uma longa tradição de greves de fome, e uma delas incendiou o país e culminou em uma greve geral que derrubou a ditadura Banzer em 1978. Ainda em 1978, mas no México, 84 mulheres e quatro homens iniciaram um jejum na Catedral para exigir a liberdade de 1500 presos. Sua ação obteve a primeira anistia política. Por último, no Brasil, em 1978 também, quase duas dezenas de militantes da recém constituída Convergência Socialista fizeram uma greve de fome na PUC/SP quando todo o Comitê Central – com a exceção de três membros - foi preso em Agosto, junto com Nahuel Moreno. Impediram a deportação do líder argentino para Buenos Aires, onde uma morte quase certa o esperava. Na Irlanda, em 1981, líderes presos do IRA fizeram greves de fome que culminaram com o sacrifício da vida de Bobby Sands, que exigia o reconhecimento do estatuto de preso político. No Chile, presos Mapuche fizeram uma greve de fome há poucos meses. Greves de fome comovem a sociedade porque expõem a disposição ao sacrifício terminal por uma causa. Os inimigos das lutas populares as denunciam como um gesto radical, ou messiânico ou milenarista.

É verdade que, na luta contra a exploração, as massas populares mais de uma vez deixaram-se seduzir por discursos milenaristas – a escatologia de futurismos que prevêem um esgotamento “natural” da ordem do mundo – ou messiânicos – a redenção de uma vida de sofrimento por um agente salvador –, que ressoam suas aspirações de justiça. São ilusões de que o mundo poderia mudar para melhor sem luta, ou sem maiores riscos. A linguagem mística, porém, não deveria desviar nossa atenção. A vida material das massas populares ao longo da história remete à imagem do vale de lágrimas. Quem vive sob a exploração precisa acreditar que é possível transformar o mundo ou, pelo menos, que haverá recompensa e punição em outra vida, e tem boas razões para desejá-lo. A esperança em uma mudança iminente, ou a fé na força de uma liderança salvadora, respondem a uma intensa necessidade subjetiva – os céticos asseverariam, um consolo –, mas também a uma experiência. Os que vivem do trabalho sempre foram a maioria. Os explorados sabem que sempre serão a maioria, enquanto houver exploração. É dessa experiência que se renova a esperança de que podem mudar suas vidas.

Todas as classes dominantes foram hostis a doutrinas utópicas que previam a subversão da ordem, e combateram sem hesitação movimentos de massas que abraçaram o prognóstico – ou a profecia – de um iminente desmoronamento do poder constituído. O povo expressa-se no vocabulário que tem disponível, e crenças revolucionárias, quando conquistam as vozes das ruas, podem assumir uma dicção religiosa. São os despossuídos, os oprimidos e os radicais políticos que se comovem com a perspectiva de que é possível mudar o mundo. Os reacionários de todos os tempos sempre insistiram em desqualificar as utopias como teorias e projetos desvairados inspirados por fanáticos e birutas.

Não se deve, contudo, exagerar estabelecendo uma equação simples entre crenças milenaristas e movimentos igualitaristas. Os movimentos operários e sindicais modernos foram, na maioria dos países, essencialmente laicos e uma das mais importantes expressões sociais da secularização das sociedades urbanizadas e industrializadas. Tanto reformistas quanto revolucionários lutaram por um programa de reivindicações imediatas que atendiam às necessidades concretas dos trabalhadores. A diferença entre eles não era a recusa dos radicais à luta por reformas, mas a recusa dos moderados em assumir um programa anticapitalista.

A dimensão utópica da idéia socialista – a promessa de uma sociedade sem classes, ou seja, a aposta na liberdade humana – teve e tem seu lugar na exaltação ideológica. Os sonhos alimentam a luta por um mundo melhor. O sonho de uma nova sociedade que garantiria direitos e deveres iguais é necessário. Igualdade social e liberdade humana permanecem sendo as aspirações civilizatórias mais elevadas da época que nos tocou viver. O movimento social proletário foi, porém, fundamentalmente um projeto político e, como todo movimento político, colocou-se objetivos – como a defesa de direitos em situações defensivas, e a conquista do poder em situações revolucionárias – que pudessem ser alcançados por seus militantes enquanto estivessem vivos. Não há, entretanto, por que ser condescendente: a relação entre miséria extrema, desespero social, pobreza cultural e anseios apocalípticos foi historicamente anterior à influência do marxismo nas classes populares, mas nunca deixou de existir e exerceu influência sobre os marxistas.

São poderosas as pressões de inércia social e cultural que aprisionam as amplas massas trabalhadoras, urbanas ou rurais, na sonolência, na apatia ou na submissão, mas em situações revolucionárias precisam medir forças com pressões ainda mais fortes. Não há força social mais poderosa na história do que a revolta popular quando se organiza e mobiliza. O medo de que a mudança não chegue nunca – que, entre os trabalhadores, é desencorajado pelo temor às represálias – precisa encarar medos ainda maiores: o desespero das classes proprietárias de perder tudo. No calor de processos revolucionários, a descrença dos trabalhadores em suas próprias forças, a incredulidade em seus sonhos igualitaristas, foram superadas pela esperança de liberdade, um sentimento moral e um anseio político, mais elevado que a mesquinhez reacionária e a avareza burguesa.


O lugar dos socialistas é, portanto, ao lado de D. Luiz Cappio. A grandeza do seu sacrifício deve servir para levantar para a luta todos nós.


Valério Arcary, professor de história no CEFET/SP, é autor de As Esquinas perigosas da História, situações revolucionárias em perspectiva marxista.

16 dezembro, 2007

“Nossa tarefa agora é difundir a nova Constituição”

A direita boliviana está desesperada. Assim avalia Isaac Ávalos, uma das principais lideranças camponesas bolivianas. para ele, o papel dos movimentos sociais é informar o povo do conteúdo da nova Carta Magna

A direita boliviana está desesperada. Assim avalia Isaac Ávalos, uma das principais lideranças camponesas bolivianas. para ele, o papel dos movimentos sociais é informar o povo do conteúdo da nova Carta Magna


14/12/2007

Sue Iamamoto,

de La Paz (Bolívia)


Nos seus quase dois anos de existência, o governo de Evo Morales vive hoje um dos seus momentos mais delicados. A nova Constituição foi aprovada em meio a comemorações dos movimentos sociais e questionamentos da sua legalidade por parte da oposição (Leia reportagem). Organizada principalmente nos departamentos de Santa Cruz, Tarija, Pando e Beni, a chamada oligarquia da "meia lua" já anunciou através de seus governadores e comitês cívicos que não reconhece o texto constitucional e que, neste final de semana, irá apresentar os seus estatutos autonômicos, que ameaçam dividir o país territorialmente.


Isaac Ávalos, secretário geral da principal organização campesina da Bolívia e grande sustentáculo social do governo de Evo Morales - a Confederação Sindical Única de Trabalhadores Campesinos da Bolívia (CSUTCB) – coloca nesta entrevista a sua opinião sobre a conjuntura atual boliviana. Ele esclarece a relação que o seu movimento tem com o partido do governo, o MAS – IPSP (Movimento ao Socialismo), caracteriza as movimentações da direita no país e apresenta as táticas que os movimentos sociais estão adotando neste momento.


O MAS surgiu do interior da CSUTCB, dos seus fóruns. Gostaria de saber como você descreve a relação deste partido com o movimento campesino e sua a entidade nacional?

Há onze anos decidimos formar este instrumento, em conjunto com Confederação Sindical dos Colonizadores e a Federação Nacional de Mulheres Campesinas “Bartolina Sisa”. Fizemos isso porque havia muita discriminação, maltrato, roubo, nossas riquezas naturais estavam sendo rifadas. Precisávamos de um instrumento político dos movimentos sociais. A princípio ele se chamava Instrumento Político pela Soberania dos Povos (IPSP) e por três vezes tentamos obter a sua personalidade jurídica e não conseguimos por entraves burocráticos. Finalmente, um velhinho nos deu de presente a personalidade jurídica do partido MAS. Com isso começamos a avançar na parte legal. Lançamos o nosso irmão Evo Morales, líder cocalero, enquanto candidato. Conseguimos elegê-lo duas vezes deputado e agora finalmente presidente. Evo Morales é filho da CSUTCB, da Confederação de Colonizadores e das Bartolinas Federação Nacional de Mulheres Campesinas “Bartolina Sisa”, ele não pode deixar estas organizações. Seus projetos de leis e políticas gerais, como a nacionalização dos recursos naturais, são coordenados conosco. Sempre somos considerados nas decisões do governo. E é por isso que nós mobilizamos e marchamos para defender a mudança estrutural, econômica e política que ele está fazendo. É nosso governo e está no caminho certo, não está marginalizando as classes pobres, mas também não as classes grandes. Está fazendo projetos que favorecem a todos e não a alguns poucos.


O IPSP quando surgiu se submetia aos fóruns dos movimentos que o criaram. Agora como está esta relação, o MAS ainda se submete aos fóruns dos movimentos ou tem fóruns próprios?

A estrutura do MAS agora são os movimentos sociais, isso não mudou. Com o crescimento que tem um partido ao entrar no governo, a tendência é que haja uma separação automática, partido para cá e movimento para lá. Mas, se nós ficássemos somente no lado dos movimentos sociais, não teríamos a confiança do presidente nem ele teria a nossa. Isso não iria funcionar e por isso continuamos atuando de forma conjunta. Por exemplo, Evo participa dos nossos fóruns, dos nossos ampliados, se organiza conosco também.


Como caracteriza o processo político que começa a partir do governo Evo Morales?

Muito bem. Antes da nacionalização dos recursos naturais, recebíamos 350 milhões de dólares e agora estamos recebendo 2,1 bilhões. E para onde ia esse dinheiro antes? Que faziam os governos? Negociavam, se enchiam de dinheiro, iam morar no estrangeiro. No tema mineiro, o Estado antes recebia cinco milhões por ano e agora está chegando a 100 milhões de dólares por ano e continua aumentando. Então, se você imagina isso que está fazendo o presidente, nenhum presidente havia feito antes. O palácio era o palácio das negociatas, agora é o palácio de projetos para o povo boliviano. Por exemplo, esta nova lei da Renta Dignidad: 30% dos recursos do imposto direto sobre os hidrocarbonetos para os nossos avós que nunca se aposentam. Realmente, nós estamos muito contentes com o nosso presidente e vamos defender o seu governo custe o que custar.


Esse processo de mudança é um produto da mobilização dos movimentos sociais, quando acha que este processo iniciou?

Como disse, o nosso instrumento político acabou de fazer onze anos. E neste período, dentre as três organizações, inclusive dentro da nossa base, não eram todos que tinham acordo com o instrumento político. Custou muito conscientizar, informar, dizer porque queríamos este instrumento. Os companheiros diziam “mas isso é político”, porque a direita colocava na cabeça deles que o campesino, o indígena, não podia fazer política, só podia votar, nada mais. Agora já não, conseguimos reverter isso. Sabem que um campesino pode estar à frente do Estado, pode ser deputado, pode ser ministro. Antes não, tinha que ser de gravata sempre. E assim nos manobraram durante muitos anos, a oligarquia e o fascismo.


E quais mudanças trazem a nova Constituição Política do Estado, que foi aprovada este final de semana?

Muitas. Os deputados tinham imunidade parlamentar, agora é “imunidade zero”. Eles antes roubavam o Estado e tinham imunidade, não podiam ser presos, ninguém os processava, e eles iam embora felizes com o dinheiro. Outra mudança é o Estado Plurinacional, nesta Constituição temos 36 povos. A antiga somente reconhecia os povos indígenas, nada mais, mas agora eles fazem parte dela. No tema dos recursos naturais - madeira, biodiversidade, petróleo, minerais, etc. - o controle está nas mãos do povo. O Estado continua sendo o que maneja, mas quem controla localmente são os companheiros, os nossos irmãos.


Há muitos teóricos que dizem que este governo representa um processo de descolonização da Bolívia, de recuperação do poder por parte dos índios, dos originários. Você concorda com essa opinião?

Eu creio que isso é verdade, mas também não queremos dizer que somente nós vivemos no país. Acreditamos que estamos avançando nesta linha de descolonização, mas também tomando em conta todos. Não podemos discriminar os profissionais, as pessoas que vivem nas cidades, porque os mesmos irmãos do campo também estão na cidade.


Bom, se estamos falando de CSUTCB, estamos falando também de política agrária. Qual é a sua avaliação acerca da política agrária do governo Evo Morales?

Hoje faz um mês que começou a ser aplicada a nova Lei de Recondução Comunitária, a Lei 3545. O significa ela? Que todas as terras que não cumprem com a sua função social econômica serão recuperadas pelo Estado, para posterior distribuição aos que não tem terras. Então, esta é a nossa luta agora. Tenho certeza de que em um, dois, no máximo três anos, teremos pelo menos 10 milhões de hectares para distribuir a nossos irmãos em todo o país. Esta é a política que foi lançada pelo presidente com esta nova lei, mas que também foi conseguida pelos movimentos sociais através de uma marcha, que fizemos no ano passado.


E esta proposta de referendo acerca da limitação da extensão das propriedades individuais, qual é a sua opinião?

Ela me parece muito importante. Porque um empresário tem meio milhão de hectares e um campesino tem dois hectares. O que estamos reivindicando agora é que cinco mil hectares que fique com ele e o resto que se vá para o Estado. E isso vai para referendo junto com o novo texto constitucional. O povo decide se vota pelo latifúndio ou se vota pela limitação dos cinco mil hectares. O povo soberano decide com o voto.


E se for aprovada a proposta dos 5 mil serão muitas as modificações nas terras bolivianas?

Sim, muita. Vai sobrar muita terra para os que não a tem.


E como ficará a relação com os latifundiários de Santa Cruz?

Não importa. Se agora já estão se rebelando, brigando, maltratando. O que vamos fazer? Cumprir com o eu for decidido, e que decida o povo com o voto popular.


Vai haver indenização para as terras excedentes depois que se aprova a limitação?

Não.


A que se deve a organização de maneira tão incisiva da direita no país? Com os departamentos da meia lua, seus governadores, comitês cívicos, etc.?

Seu desespero. Seus interesses agrários, econômicos e políticos. Eles viveram em privilégio durante muitos anos, como ministros, como governos, com os recursos que roubavam das instituições. Agora nós vamos defender a democracia, e que eles sigam brigando por seus antigos privilégios. Isso não nos importa, não interessa. Mas não vamos deixar que continuem roubando, que continuem vendendo as terras. Que fiquem com o que lhes corresponde. E a estes senhores que têm dinheiro, nós respeitamos. Mas que eles também respeitem as nossas leis e as nossas normas.


O vice-presidente Álvaro García Linera falou várias de construir um pacto social que incluísse estes setores. Com o atual panorama de Bolívia, crê que isso seja possível?

A nova Constituição e as leis que estão sendo apresentadas não excluem ninguém. Eles são os que não querem se incorporar, repelem tudo. O único que eles têm que fazer é aceitar o que está sendo feito. Mas tanto faz, não vamos excluir ninguém e também não somos racistas. Não vamos nos igualar a eles e o presidente também não. Porque se fosse assim, ele já teria aplicado um estado de sítio, utilizado a força. Mas são eles os que estão agredindo o povo boliviano, violando a Constituição, os direitos humanos, a democracia.


Há um histórico muito grande de intervenções imperialistas na América Latina. Você acredita que há possibilidade de golpe de Estado?

Não. O presidente tem o apoio de todos os povos do mundo. Tem apoio econômico de muitos países também, como a Venezuela, Cuba, Espanha, etc. No tema econômico, o país está muito bem, nós temos uma credibilidade internacional.


No dia 15 de dezembro a nova Constituição será apresentada. Com todo o momento político que há agora na Bolívia, o que acredita que vai acontecer? O que acredita que os setores da direita vão fazer?

Não sei, podem fazer o que quiserem. Nós vamos, em uma festa cívica, entregar ao presidente e ao Congresso o texto constitucional. E, além disso, estamos convocando todos os povos indígenas a virem com a sua vestimenta, para que a sua cultura tradicional esteja presente no sábado também. Durante todo o dia vamos estar nesta vigília e os outros podem fazer o que quiserem, mas nós continuaremos com a mudança social em nosso país, junto às nossas bases, junto ao povo boliviano.


Quais são as recomendações da CSUTCB para os movimentos sociais que estão localizados no centro dos conflitos, em Sucre, em Santa Cruz?

Eles, os movimentos autonômicos, estão falando de estatuto autonômico, mas não consultaram o povo nem as organizações. A instrução que estamos dando às nossas bases é trabalhar nos níveis das províncias, das regiões e dos povos indígenas os seus próprios estatutos. Isso no campo, nos quatro departamentos da meia lua. E, além disso, estamos trabalhando em um projeto de lei para que os recursos passem direto do governo às províncias e que não passe pelo governo departamental.


Como vão funcionar e ser aprovados estes estatutos locais?

Simples, porque as autonomias indígena e regional já estão previstas na nova Constituição. Nós só vamos aplicá-las. Vamos desenvolver os nossos estatutos autonômicos para contrapor as forças oligárquicas. Porque são os da cidade os que estão apóiam estas forças, no campo é tranqüilo. Então, se eles fazem os seus estatutos autonômicos, baseados na autonomia departamental, e não nos consultam, por que não vamos fazer e aplicar os nossos, baseados nas autonomias indígena e regional, também?


Quais são as principais tarefas dos movimentos sociais neste momento?

Nossa tarefa central agora é difundir a nova Constituição, socializá-la pela televisão, pelo rádio, nas comunidades, nas províncias, nos bairros. Temos que dizer o seu conteúdo, a quem favorece. O povo tem que saber isso.


Qual o projeto de sociedade boliviana tem a CSUTCB? É um projeto socialista, popular, como o descreveria?

Somos democráticos. Respeitamos a democracia, respeitamo-nos uns aos outros. Mas nós enquanto movimento, politicamente falando, somos socialistas. Lutamos pela igualdade, sem discriminação. Isso é socialismo.


E lutam pelo fim do capitalismo?

Contra o capitalismo sim, contra o sistema neoliberal, norte-americano. Quem são estes gringos que querem nos subjugar? Nós queremos liberdade real, não queremos subjugação, queremos ser um país livre.

O lobby antimaconha

O jornalista Ruy Castro costuma afirmar que o "lobby pró-maconha" está prestes a vencer, para malefício da sociedade brasileira. Infelizmente, o consagrado autor equivoca-se: é o poderosíssimo lobby antimaconha que ainda sustenta no país esse proibicionismo arcaico, tolo e ineficaz.
A demonização da droga surgiu nos EUA, para compensar o fracasso da Lei Seca e fortalecer o recém-criado FBI. Depois da Guerra Fria, os entorpecentes substituíram a ameaça comunista no discurso do intervencionismo estadunidense. O modelo repressivo disseminou em escala mundial as conseqüências nefastas da própria Lei Seca – crime organizado, corrupção, marginalidade, consumo galopante. Desmoralizado, foi substituído na Europa, no Canadá e até em regiões dos EUA.
Iniciado o processo de transferir a questão para os âmbitos da saúde pública e da redução de danos, a descriminalização da maconha representa uma evolução histórica inevitável. Os debates sérios superaram definitivamente a tolice do "trampolim" para outras drogas, o preconceito contra o uso recreativo e a ilusão de que o Estado pode gerir a privacidade e o corpo dos indivíduos.
A maconha é menos prejudicial e viciante que outras substâncias proibidas (cocaína, heroína) ou controladas (tabaco, álcool, remédios) e possui propriedades medicinais reconhecidas. Diversos estudiosos, como o Dr. Raphael Mechoulam, da Universidade Hebraica de Jerusalém, comprovaram a eficácia da Cannabis em tratamentos de câncer, AIDS, inflamações, doenças neurológicas e hepáticas, diabetes, osteoporose e alcoolismo.
Eis por que a bilionária indústria farmacêutica pressiona para manter a maconha na clandestinidade. O mesmo vale para autoridades médicas, policiais e religiosas, que completam o lobby dos beneficiários do proibicionismo e são seus maiores apologistas.

Guilherme Scalzilli é historiador e escritor do romance Crisálida. www.guilherme.scalzilli.nom.br

10 dezembro, 2007

Bolívia: “O fascismo não passará”

Por Sue Iamamoto

10 de dezembro de 2007
Quinta feira passada houve uma marcha em Cochabamba. Entre 20 a 50 mil pessoas, campesinos, estudantes, professores, trabalhadores urbanos em geral. Muita gente, caminhando cada qual atrás da bandeira da sua entidade. Em marcha pacífica, saíram em defesa do governo Evo Morales, da democracia no país, pela nova Constituinte que deverá ser entregue no dia 14 de dezembro, contra a oligarquia da ¨meia lua¨ e contra o governador (que aqui eles chamam de prefecto) do departamento de Cochabamba, Manfred Reyes Villa.
Nós, brasileiros, não estamos muito acostumados com a direita organizada. Não sabemos direito que cara ela tem, como se manifesta. A direita para a gente se encarna mais nas páginas de revistas, em blogs de supostos intelectuais conservadores, mas nunca nas ruas. Mas uma rápida olhada em documentários como A batalha no Chile ou o mais recente A revolução não será televisionada basta para termos alguma noção do fascismo que pode alcançar a direita na América Latina. A direita boliviana é assim: morde, bate, lincha, queima. E, sendo a Bolívia o país dividido que é hoje, imaginem a tensão.
A oligarquia da meia lua
O fato político que deu contorno a esta divisão foi o referendo feito no ano passado acerca das autonomias departamentais. Os departamentos que votaram ¨sim¨ - Beni, Tarija, Pando e Santa Cruz – constituem a chamada ¨meia lua¨ e seus comitês cívicos e governadores são os maiores opositores do governo de Evo Morales. Eles formam o movimento autonomista, que, por detrás do bonito nome, esconde um racismo intenso contra os indígenas – materializados na figura do presidente – e ações de terrorismo contra os que discordam das suas opiniões. A fonte ideológica é a Nação Camba, movimento separatista que reivindica uma suposta herança cultural comum ¨camba¨ na região da meia lua, terras baixas que ocupam o oriente boliviano. Nada mais hipócrita, já que camba era o nome que os criollos usavam para chamar índios em trabalho de servidão nas suas fazendas – nome que é símbolo da dizimação cultural dos povos indígenas do oriente. O braço armado é a União Juvenil Cruceñista (UJC), que persegue os movimentos sociais nas ruas sempre que estes se manifestam. Vários dirigentes campesinos indígenas já foram mandados para o hospital graças aos bastões de basebol desta buena gente.
Do ponto de vista econômico, o movimento é razoavelmente fácil de entender. A oligarquia destas regiões é formada principalmente por latifundiários e empresariado e sempre esteve representada nos governos anteriores. Este setor não quer perder os privilégios que possuía antes do governo de Evo Morales e da perigosa participação que possuem os movimentos sociais neste. A sua proposta de autonomia departamental inclui controle dos recursos naturais existentes em seu território e controle da política agrária em nível local, tudo isso sem a participação do governo nacional.
É interessante notar que dentro do Comitê Cívico de Santa Cruz, principal porta-voz político deste movimento, constituem importantes forças dois atores sociais conhecidíssimos no Brasil: latifundiários brasileiros, enquanto setor produtivo da regiao de Santa Cruz, e a Petrobrás, enquanto membro da Camara de Hidricarbonetos.
Conflitos na Assembléia Constituinte
Como principal força de oposição ao governo, a atuação de representantes das terras orientais foi decisiva para a degradação política do processo constituinte que iniciou no ano passado. Estão majoritariamente representados pelo recém criado partido Podemos (Poder Democrático Social).
No conflito acerca da capitalidade, se posicionaram oportunamente a favor da reivindicação de Sucre de ser a capital plena da Bolívia. Atualmente, Sucre é a capital da Bolívia, mas só é sede do poder judiciário, os demais poderes estao sediados em La Paz. A reivindicação de Sucre foi retirada da pauta em votação dentre os constituintes. Isso causou uma grande revolta na população local, cujas movimentações inviabilizaram a continuidade da Constituinte por vários meses – já que ela estava sediada na própria cidade de Sucre. Depois de várias tentativas frustradas de estabelecer acordos, o setor do governo decidiu votar o texto constitucional “ou sim ou sim”, como disse o vice-presidente García Linera, e reabriu as sessões da Assembléia Constituinte em Sucre. Votaram o texto em geral no final do mês passado, mas a oposição se negou a participar da sessão. Em meio à votação destes textos, a cidade de Sucre convulsionou, um policial e dois jovens morreram nos conflitos.
Para garantir a estabilidade política, o governo transladou a Constituinte para Oruro, onde o texto em detalhe foi votado neste final de semana. Os constituintes têm até o dia 14 deste mês para apresentá-lo e, para ser aprovado, precisará passar por um referendo que deve acontecer no próximo ano.
Os constituintes da oposição mantêm o argumento de que o que foi aprovado é ilegal e que a continuidade da Constituinte nestes termos – translado de sede, falta de presença da oposição, etc. - também é ilegal. Paralelo a isso, os governadores da oposição atacaram o governo de anti-democrático e pediram uma intervencao das forças armadas, como foi formulado recentemente por Manfred Reyes Villa. Tudo isso divulgado e apoiado amplamente pela imprensa boliviana. E, para completar o cenário, começou a partir da intensificação deste conflito uma especulação com os produtos alimentícios de primeira necessidade por parte dos produtores agrícolas ligados aos interesses da meia lua.
A resposta dos movimentos sociais
Dado este cenário político, os movimentos sociais da Bolívia, em especial os indígenas campesinos que foram os primeiros a propor a constituinte, saíram às ruas nesta última quinta para defender as suas propostas presentes no texto geral e contra-atacar a ofensiva da direita. Em algumas regiões, principalmente onde havia uma presença massiva de manifestantes como em Cochabamba, os atos foram pacíficos. Em outras, como em Santa Cruz, os movimentos indígenas e campesinos foram acuados pela ação da UJC e algumas pessoas foram linchadas.
Muitos atribuem esta ofensiva da direita aos erros que o próprio MAS (Movimento ao Socialismo) cometeu nestes dois anos de governo. A maioria deles estaria na Lei de Convocatória da Constituinte e nos acordos feitos durante o processo que cediam demais à oposição. A estratégia formulada por García Linera de estabelecimento de um capitalismo andino, de um pacto social que incluísse os indígenas, mas que também contasse com o setor empresarial do oriente, teria causado um fortalecimento deste setor paralelo a uma razoável apatia dos movimentos sociais.
Para contrapor a crise política, Evo Morales anunciou uma proposta de referendo revogatório para ele e para todos os governadores da Bolívia na última quarta-feira, um dia antes dos atos regionais dos movimentos sociais acontecerem. Com isso, a marcha em Cochabamba ganhou uma nova palavra de ordem: “Referendo, tchau Manfred”, resgatando uma reivindicação do início deste ano de afastamento de Manfred Reyes Villa do poder em Cochabamba. Para uma trabalhadora da limpeza urbana da cidade – que não quis se identificar – a saída de Manfred era o principal motivo para participar da marcha. “Ele não gosta da gente, dos trabalhadores”, explicou.
Graciela Valdivieso, dona de casa, estava acompanhada de suas duas filhas e empunhava um cartaz em defesa da nova Constituição. “Agora estamos sofrendo certos conflitos com os movimentos de direita. São totalmente fascistas, neoliberais, radicais, e além de tudo tem tanta mentira, tanta covardia que não nos deixam prosperar. Essa nova reforma representa os pedidos das bases sociais, uma mudança total em Bolívia, uma transformação, uma nova Constituição Política do Estado (...). Me encanta participar em coisas justas, quando se trata do justo, do correto, como mãe, como mulher, como patriota, sempre participo e saio a reclamar meus direitos, os direitos da minha nação e os direitos da minha família”. A declaração de Graciela representa bem a base social que o governo de Morales tem em setores da classe média de Cochabamba.
Contudo, a presença massiva na marcha continuou sendo dos campesinos, em especial dos produtores da folha de coca. Eduardo Lima, secretário geral da Central Agrária de Chipiriri, filiada a Federação dos Trópicos, contou que somente da sua região vieram 600 pessoas. Os motivos da marcha eram principalmente a defesa do processo de mudança que o governo iniciou frente à ofensiva dos setores conservadores.
Presente também estava uma brigada de juventude anti-fascista. Referências aos golpes de estado feitos pela direita na segunda metade do século passado estavam implícitas, mas sempre em conjunto com um sonoro “O fascismo não passará!”. Omar Fernandez, dirigente dos Regantes e senador pelo MAS, lembrou que a especulação de alimentos foi uma tática da direita no Chile de Allende para desestabilizar seu governo. Propôs que o povo se organizasse para descobrir quem estava escondendo a comida e que estas pessoas fossem presas.
O ato em Cochabamba foi chamado pela COD (Central Obrera Departamental), que reúne trabalhadores do campo e da cidade, e faz parte de uma série de iniciativas que os movimentos sociais estão levantando para contrapor a ofensiva da direita neste momento delicadíssimo do cenário político boliviano. Para o próximo dia 13, convocaram uma cúpula de movimentos sociais na cidade. Trata-se de um momento central no país, no qual os movimentos sociais voltam a se movimentar em defesa de suas pautas e do processo de mudança e de combate ao neoliberalismo que impulsionam desde 2000, quando ocorreu a Guerra da Água.

Pauta: Contra privatização das águas, trabalhadores ocupam sede da ANEEL em Brasília

Contra privatização das águas, trabalhadores ocupam sede da ANEEL em Brasília

Cerca de 300 integrantes da Via Campesina e de entidades que compõem o Grito dos Excluídos do Distrito Federal ocuparam, na manhã desta segunda-feira (10), a sede da Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), em Brasília. Os trabalhadores protestam contra o leilão de concessão do aproveitamento energético da primeira hidrelétrica do Complexo Madeira, a Santo Antônio, que acontece hoje na Agência a portas fechadas.

O ato faz parte da jornada de lutas nacional contra a privatização das águas e a atuação das transnacionais no Brasil. Na disputa pela hidrelétrica de Santo Antônio, estão três consórcios formados por corporações transnacionais, como Votorantim, Suez Energy e Endesa. “O rio Madeira será explorado para produzir energia elétrica para empresas estrangeiras, que não querem beneficiar o povo brasileiro, mas o lucro”, afirmou Rosana Mendes, da coordenação nacional do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB). Segundo cálculos do MAB, baseado no preço da energia no mercado internacional, os donos das barragens de Santo Antônio e Jirau vão faturar em média R $ 525.000 mil por hora, com a venda da energia proveniente dessas barragens. O movimento calcula ainda que mais de 10 mil famílias serão atingidas pelo conjunto das obras do Complexo.

Hoje também é o 13º dia de greve de fome do bispo Dom Luiz Cappio, que protesta contra o projeto de transposição das águas do rio São Francisco. Em contraposição à proposta do governo, Dom Luiz e os movimentos sociais propõem alternativas de abastecimento de água mais baratas e com menos danos ao meio ambiente. O Semi-Árido brasileiro tem a maior quantidade de água armazenada em açudes no mundo e, no entanto, essa água não é distribuída. Segundo o bispo, as 530 obras do Atlas do Nordeste da Agência Nacional de Águas (ANA) abasteceriam 1.356 municípios da região, beneficiando 44 milhões de pessoas pela metade do preço da transposição.

"O leilão do Rio Madeira, o projeto de transposição do Rio São Francisco e a ação exploratória das multinacionais no país têm o mesmo propósito: desnacionalizar a água, a terra e a energia, destruindo a biodiversidade e transformando patrimônios do povo brasileiro em bens privados", conclui Rosana Mendes.

O ato também relembra a morte do militante Sem Terra Keno, assassinado em outubro por seguranças da multinacional suíça Syngenta, empresa que explora o solo brasileiro para fazer experimentos ilegais com transgênicos.

Informações à imprensa

Maria – (61) 8464-6176

Sílvia – (61) 8114-0434

Setor de Comunicação
Movimento dos Atingidos por Barragens
fone/fax: (61) 3386-1938
www.mabnacional.org.br

de Mauro Iasi, sobre programa democrático popular

Grifos e comentários do camrada Danilo


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[sobre resoluções do 4º encontro nacional do PT]
"(...) É neste ponto das resoluções que se apresentam certos aspectos que servirão de alicerce para as formulações estratégicas que se seguirão. As resoluções afirmam que a burguesia e o Estado brasileiro não teriam "conseguido resolver as contradições fundamentais do desenvolvimento do conjunto da sociedade"(...). Entretanto, concluem as resoluções:
A superação definitiva da exploração e da opressão sobre o povo brasileiro não se dará com simples reformas superficiais e paliativas, mas sim com a ruptura radical contra a ordem burguesa e a construção de uma sociedade sem classes, igualitária, que, por meio dasocialização dos meios de produção, vise a abundância material para atender às necessidades materiais, sociais e culturais de todos e de cada um de seus membros, ou seja, a construção do socialismo.
Constatando mais uma vez que não haveria condições imediatas para este salto, por não estar "colocada para o conjunto da classe trabalhadora a consciência dessa necessidade", o texto afirma que o desenvolvimento do capitalismo, das classes e da luta entre estas permitiria já um "acúmulo de forças" no sentido de ampliar os espaços democráticos e as conquistas populares que seriam uma espécie de "ponte" e de caminhos que poderiam conduzir a esta meta estratégica socialista.
Notem que se retoma aqui o conceito de "acúmulo de forças" como tarefa imediata, mas enfatiza-se ainda o objetivo estratégico socialista. Outro aspecto é que o texto afirma uma distância entre a percepção consciente da necessidade deste objetivo estratégico socialista por parte daqueles que agora compõem o partido e a consciência do "conjunto da classe".
Este elemento abre a possibilidade de uma reflexão sobre um dos aspectos do movimento da consciência. Bordieu faz uma curiosa distinção entre aquilo que é "dizível" ou indizível no campo político. Para ele:
A fronteira entre o que é polticamente dizível ou indizível, pensável ou impensável para uma classe de profanos determina-se na relação entre o interesse que exprime esta classe e a capacidade de expressão dessses interesses que sua posição nas relações de produção cultural, e por este modo, política, lhe assegura.
Os termos "classes profanas" são utilizados por Bordieu para identificar a diferença entre aqueles "profissionais" que teriam o monopólio do dizer político e aqueles "cidadãos comuns, reduzidos ao estatuto de consumidores" deste bem simbólico. O que nos chama a atenção é que a classe que se moveu concretamente em sua ação prática contra as manifestações da ordem do capital, tornando possível que esta ação se expresse em um partido que agora formula suas estratégias, separa-se agora de seus formuladores que chegam a necessidades que ela própria ainda não coloca para si. São duas as possibilidades de interpretação deste fato. Primeiro que é verdade que, embora mobilizada pelas lutas sociais e mesmo chegando à constatação da necessidade da luta e da organização política, esta classe não alcança imediatamente a necessidade de uma ruptura revolucionária, da mesma forma que o setor de vanguarda tem como tarefa essencial produzir as condições em que seja possível uma correlação de forças mais favorável para ações mais decisisvas nesse sentido. No entanto, a consciência da classe está, neste momento, livre da práxis, se moldando por aquilo que afirma sua expressão política, e pode tomar como sua a consciência deste setor.
A poderosa identidade que está se formando processa-se em parte por aquilo que a classe projeta na liderança, ou, no caso, na orgainzação que ocupa seu lugar, mas esse é o mesmo processo pelo qual esta classe passa a assumir como sua a consciência de sua vanguarda. Há uma homologia clara entre o processo que aqui se verifica e o mecanismo freudo/kleiniano de identidade projetiva/introjetiva. Ao projetar seu ideal de Ego para o objeto externo, abre-se a possibiliade de substituir este ideal pelo objeto[no caso, esse objeto externo seria o que representa politicamete o PT para classe, a identificação da classe com sua representação, seu produto. O ponto central do processo de liderança é produzir uma identificação projetiva (o grupo se vê nas ações do líder/ organização)/ introjetiva (introduz através desa nova relação um novo valor em sua consciência). Na confluência e emergência da luta de classes no fim dos 70 e início dos 80, o setor da classe que inicou o projteo do PT assumiu esse "processo de liderança", ao representar nas lutas travadas naquele momento o papel de líder(esse conceito de líder utilizado por Mauro Iasi é tomado da construção de Freud na tentatvade entender a formação de consciência dos grupos, e dos individuos dentro destes, sendo o líder o ponto de identificação comum de seus mebros, convertendo-o em um ideal de ego comum, partilhado entre todos)] , o que permite, aliás, uma identidade horizontal no grupo que foi analisado. Desse modo, quando a liderança identifica esta ausência de consciência da necessidade de ruptura socialista na consciência imediata do "conjunto" da classe, de certa forma a vanguarda cria e reproduz esta ausência na consciência que ajuda a formar.
Em outras palavras, molda a classe perpetuando esta ausência. A "fronteira do dizível e não dizível", nos termos de Bordieu, não existe como dado empírico, mas é produto da relação entre os interesses e a forma simbólica em que são expressos. É possível supor que, pelo mecanismo descrito, este universo simbólico volte a fonte dos interesses e o molde numa expressão que transforma em "silêncio" parte dos potenciais interesses originais.
(...)Quando encontramos nas resoluções que é necessário criar um partido político, de trabalhadores, anticapitalista e com um horizonte socialista, podemos supor que estes valores não estavam imediatamente "colocados para a consciência do conjunto da classe trabalhadora". Mas o fato de o serem afirmados pela liderança que se apropria da força do grupo, no caso de uma organização que expressa a força de uma classe, faz com que esta classe assuma como seus estes valores. Este fato já é o resultado de uma "concorrência", de fato um equilíbrio no interior do qual a liderança conquistou as consciências dos trabalhadores contra a influência do senso comum, da força inercial das relações dominantes convertidas em idéias.
Na medida em que esta vanguarda constrói o "acúmulo de forças" pela constatação objetiva da ausência para o conjunto da classe da consciência da necessidade da ruptura socialista, impõe este elemento à consciência da classe que se forma. A questão é: por que alguns dos elementos estão colocados, sendo, portanto, dizíveis para classe ou em seu nome, e outros não? [interessante, que o discurso do campo majoriatário(APS, MES) e de outros setores é que o programa de ruptura não dialoga como nível de consciência da classe, e o programa democrático popular se rebaixa para fazer elevar o nível de consciência, e impõe como tarefa permanente o acúmulo de forças, levando a um taticismo absurdo. Acabam criando ilusões na consciência da classe, como temos formulado.]
Evidente que a ação da vanguarda não é o único fator, existe de fato uma correlação de forças, um grau de organização, um poder do inimigo materializado em recursos e instrumentos de domínio que podem e devem indicar objetivamente o ritmo da construção das táticas e da estratégia; porém, como se verá a seguir, a política do "acúmulo de forças" acabará por moldar um comportamento de classe para ações táticas cada vez mais distantes do objetivo estratégico. No entanto, isto ainda não estava colocado nesse momento, a não ser como germe em desenvolvimento. Naquele instante, o núcleo essencial da estratégia, a meta socialista e a necesidade de uma ruptura ainda são afirmados, mesmo constatando que não é "pensável" pelo conjunto do bloco social que o partido representa. Veremos que na seqüência o campo do "não dizível" vai crescer e roubar espaço da substância estratégia da proposta. Em um primeiro momento, trata-se de conjuntura e uma correlação de forças que não permitem fizar para a classe imediatamente o objetivo, depois, tratar-se-á de moldar o propósito pelos limites do "pensável"."

Do Livro "As metamorfoses da consciência de classe - O PT entre a negação e o consetimento". págs 398 a 402.

Resolução do CSOL sobre a Legalização do Aborto

O capital e suas expressões políticas dividem-se hoje entre os partidários da manutenção da criminalização do aborto, apoiados pelos setores conservadores das igrejas (tentando impor ao Estado laico os dogmas religiosos) e, de outro lado, os que lançam mão da proposta de legalização do aborto como política de contenção da pobreza. Os socialistas precisam reafirmar seu compromisso com a autodeterminação feminina, com a sobrevivência das trabalhadoras e com a luta contra o patriarcalismo.

A legalização do aborto, com garantia de sua realização pelo sistema público de saúde, é parte essencial de um programa socialista e democrático. Umas das formas de avanço da exploração capitalista sobre os trabalhadores é o crescimento dos mecanismos de controle de seus corpos pelo “mercado”, via Estado. As mulheres em geral e as trabalhadoras acima de todas são as vítimas preferenciais desses mecanismos perversos de controle sobre a natalidade pelo sistema, seja pelas esterilizações em massa, seja pela negativa em garantir o pleno exercício das decisões sobre seus corpos e seus destinos.

O fardo da criminalização da interrupção da gravidez recai essencialmente sobre os ombros do setor mais pauperizado da classe trabalhadora, que não tem condições de pagar pela cirurgia em locais com infra-estrutura compatível com a manutenção da saúde e da vida. No Brasil, o abortamento inseguro aparece em quarto lugar como causa de mortalidade entre as mulheres. Milhares de trabalhadoras estão expostas à morte em função de cirurgias mal realizadas ou por complicações decorrentes das mesmas.

A legalização do aborto, combinada a uma educação sexual não-sexista e não-homofóbica e ao acesso às informações e métodos contraceptivos, é um direito de todas as mulheres. E, quando todas as formas de prevenção falharem, cabe à mulher a decisão final sobre a interrupção da gestação.

Por essas razões, o CSOL resolve:

  1. Incorporar-se à Campanha Nacional pela Legalização do Aborto, abrindo ou animando comitês locais em parceria as entidades e demais organizações políticas dispostas à causa;
  2. Cobrar do PSOL que dê conseqüência à resolução favorável a legalização do aborto aprovada no I Congresso do partido e assuma como tarefa a Campanha pela Legalização do Aborto, não apenas divulgando-a em suas instâncias e ferramentas de comunicação, como sites e jornal do partido, como subsidiando o trabalho do setorial nacional de mulheres do PSOL com este fim.
  3. Lutar no PSOL para que suas figuras públicas, inclusive a presidente nacional, não participem de campanhas retrógradas e fascistas como a “Marcha pela vida”, nem qualquer outra iniciativa do tipo.

09 dezembro, 2007

Derrota em referendo é 'alerta', diz Maringoni

Fonte: http://www.correiocidadania.com.br/content/view/1187/9/



Para comentar a derrota do governo venezuelano no plebiscito sobre as reformas constitucionais propostas por Hugo Chávez, o Correio da Cidadania conversa com o jornalista e historiador Gilberto Maringoni.

De acordo com Maringoni, autor do livro “A Venezuela que se inventa”, o resultado das urnas na Venezuela é um alerta a Chávez para que haja uma reaproximação com setores moderados e um reparo nas insuficiências do processo de reformas iniciado com a chegada do presidente ao poder em 1999.

Correio da Cidadania: Qual você acredita ter sido o principal fator que levou Chávez à derrota no plebiscito sobre a reforma constitucional?

Gilberto Maringoni: Se olharmos os números, vemos que a oposição manteve a quantidade de votos conseguida nas eleições passadas. O que houve foi uma abstenção de quase metade do eleitorado; o surpreendente não foi a oposição ter ganho, mas sim o chavismo ter reduzido sua votação.

CC: Tamanha abstenção foi, então, a única causa da derrota? Por que tantos chavistas não compareceram às urnas?

GM: Segundo Chávez, essa foi a causa. O certo é que não foi a oposição quem ganhou, mas sim o governo quem perdeu. Claro que, ainda observando os números, houve uma vitória da oposição por uma pequena margem, mas não se pode ficar dizendo que “foi apenas por uma pequena margem” como maneira de amenizar a situação e resolver o problema.

Quando diz que a abstenção ganhou, Chávez passa um dado real, mas não diz qual é a causa disso. Ele não fala quais foram as razões que motivaram os seus apoiadores a não comparecer às urnas para aprovar a reforma constitucional, forçada por ele como se fosse uma espécie de plebiscito que o aprovasse.

Tais fatores são vários. Precisam ser procurados nas insuficiências de um processo que evoluiu bastante desde 1999, mas que ainda possui problemas. Como principais questões conjunturais, que aconteceram de um ano para cá, temos a certa “forçada de mão” que o governo e Chávez deram em alguns episódios.

O primeiro desses é a formação do PSUV, o Partido Socialista Unificado da Venezuela. É um partido criado de cima para baixo, que foi formado desta maneira pois não existem movimentos sociais autônomos na Venezuela. O partido tem 6 milhões de militantes, mas estes não compareceram às urnas – se o tivessem feito, as mudanças na Constituição teriam sido aprovadas. Há problemas na estruturação do partido e em sua participação no governo – Chávez diz que “quem está com ele está no PSUV”.

O governo Chávez tem uma característica de não ter sido resultado de movimentos de massa, mas sim de um cansaço popular com o projeto neoliberal das décadas de 80 e 90 e da crise vivida no país que não resultou em um crescimento da mobilização popular.

Isso fez com que não houvesse movimentos autônomos. O que existe são iniciativas políticas populares tomadas pelo governo.

O grau de fragmentação da sociedade venezuelana resultante dos 40 anos de democracia do Pacto do Ponto Fijo, estabelecido em 1961, e da crise estrutural enfrentada no país durante os anos 1980 e 1990 criou uma sociedade com um potencial de rebeldia muito grande, mas de escassa organização.

CC: Desde que foi levado ao poder, em 1999, Chávez não foi capaz de aglutinar os descontentes no país?

GM: Ele conseguiu aglutinar de certa forma, mas se vemos organizações como a UNT, central sindical do país, trata-se de uma organização sem vida autônoma, sem muita expressão.

Isso faz com que as mobilizações no país sejam apenas de apoio a Chávez, como observamos durante o golpe de 2001 e em suas vitórias nas eleições.

CC: Quais outros motivos contribuíram para a ausência de chavistas nas urnas?

GM: As brigas que Chávez comprou, algumas delas bem difíceis, também contribuíram. Criticar a Igreja Católica, às vésperas do referendo, foi muito danoso à sua imagem; todos sabem que a Igreja venezuelana é golpista, conservadora, mas chamar os bispos na TV de “vagabundos” provoca sentimentos no povo que são complicados. Ele começou a brigar com aqueles que, toda semana, estão no púlpito falando diretamente com seus fiéis.

A não-renovação da RCTV - que embora em mérito Chávez tenha sido corretíssimo ao não permitir a continuação das transmissões pela emissora - foi uma decisão tomada de maneira pouco pedagógica para a população. O presidente tinha a prerrogativa legal para não renovar a concessão, mas não foi feito um grande debate nacional sobre a democratização das comunicações, não foi criado um método para tornar tal fato uma questão de formação política, que informasse à população o que é um monopólio, a razão pela qual não deveria ser renovada a concessão da RCTV e qual a razão pela qual a rede não poderia participar de um golpe de Estado e continuar impune.

Não sei se a melhor maneira deveria ter sido levar o caso à Justiça ou à Assembléia nacional, onde Chávez também ganharia por ter quase a totalidade das cadeiras. Fazer isso por um decreto é incômodo – como explicar para a população que ela não terá mais a sua novela? Além disso, a emissora colocada no ar é de muito baixa qualidade, é uma emissora oficial no pior sentido da palavra.

Essas batalhas foram complicadas. No caso da discussão com o rei da Espanha, Chávez estava certo, então não foi um problema. Porém, a briga com o presidente Álvaro Uribe, da Colômbia, veio em péssima hora; Chávez caiu em uma armadilha. De qualquer maneira, Uribe iria romper o diálogo com as FARCs, e o presidente venezuelano foi até condescendente demais ao levar a questão adiante. Uribe esperou para terminar o diálogo exatamente antes do referendo, procurando desgastar a imagem de Chávez.

Avaliações de colegas venezuelanos também dão conta de problemas internos do governo, de ineficiência de serviços públicos, questões administrativas. O fato é que essa derrota de Chávez não é o fim do mundo, mas sim um alerta. O presidente desfruta de uma popularidade igual a que tinha durante as últimas eleições, de algo em torno de 60%. O que aconteceu foi um desligamento dos setores moderados ou para o “não” ou para a abstenção.

Setores da intelectualidade que estavam com Chávez se abstiveram. Raúl Baduel, que faz parte de um setor chavista presente em várias situações nas quais o presidente precisou de apoio, resolveu puxar o freio de mão. É certo que havia divergências entre os dois, mas Baduel não é um opositor histórico, não é um golpista e não pode ser tratado como um traidor.

Há também um tratamento ruim dado pelo governo em relação ao movimento estudantil. O combate que se fez quando começaram as mobilizações foi falar que os estudantes eram “peões do império”; claro que havia manipulação, que havia estudantes filiados a partidos de direita, mas à massa que estava nas ruas não pode ser dado o mesmo tratamento que é dado aos dirigentes, pois têm um descontentamento difuso.

Além disso, a reforma constitucional foi mal conduzida, faltou debate. A proposta original de Chávez continha 35 itens a serem modificados, e a Assembléia Nacional agregou, desnecessariamente, outros 34. A proposta transformou-se em uma árvore de natal, complicada, e Chávez e a oposição forçaram que a consulta para a aprovação da reforma fosse um plebiscito sobre o próprio presidente.

Tais problemas, no entanto, não podem colocar em dúvida os aspectos positivos conquistados pelo governo na Venezuela. A própria direita está espantada com a situação, pois Chávez tem ainda cinco anos de governo pela frente e um poder de aglutinação imenso, sendo capaz de retificar todos os seus problemas para que não perca apoios importantes.

CC: Quais seriam esses aspectos positivos?

GM: Chávez tem feito um governo que, até aqui, mudou a face da América Latina. No essencial, o rumo do governo está correto, ao democratizar a sociedade, ampliar os poderes das camadas populares e da população indígena, reduzir a jornada de trabalho, acabar com a autonomia do Banco Central, proibir o latifúndio, fortalecer o Estado em seu caráter público, ao realizar as “missões” que serviram e servem de assistência a uma grande parcela da população venezuelana que sofria uma exclusão total.

O governo também colocou a questão social no centro da esfera de governo, algo que foi seguido por outros países na América Latina. Chávez mostrou também que é possível romper com o modelo neoliberal e distribuiu a riqueza do petróleo para a população, mesmo embora o Estado venezuelano ainda seja muito burocrático, muito corrompido, ineficiente.

A luta ideológica que faz também é de extrema ousadia. A Venezuela, um país pequeno, conseguir pautar as lutas na América Latina e servir de referência a outros países – não só Cuba, Bolívia e Equador, mas também a Argentina e o Brasil, por exemplo – é algo de extrema importância.

CC: A riqueza proveniente do petróleo torna tal tarefa mais fácil, não?

GM: Claro, com o barril de petróleo a 100 dólares, até você e eu faríamos a mesma coisa. Mas o fato de o petróleo estar valendo tanto se deu muito em função do próprio Chávez; é preciso lembrar que isso não aconteceu por mágica. Quando Hugo Chávez tomou posse, o custo do petróleo era de 9 dólares por barril, e a OPEP estava desarticulada. Em julho de 2000, o presidente convocou, em Caracas, uma reunião geral do cartel petrolífero, algo que não ocorria há mais de 30 anos; ali, a OPEP retomou a política de cotas, de restringir a produção para resguardar reservas e, assim, melhorar o preço de barganha.

Já no final de 2000, o petróleo estava a 22 dólares o barril. Houve, claro, um fator que estava além do controle de Chávez: o aumento brutal do consumo mundial, capitaneado pela China a partir de 2001.

CC: A questão da reeleição indefinida faz parte dos aspectos negativos da proposta de reforma constitucional?

GM: Isso não é um problema tão grande quanto a imprensa alardeia. É uma proposta dentro das regras democráticas, não é um golpe. A pauta da reeleição foi colocada na América Latina pela direita – Fernando Henrique Cardoso, que a critica, foi quem a iniciou no Brasil.

Há alguns regimes europeus atrasados, com reis, imperadores – muito mais atrasados que qualquer república de banana, pois mantêm uma dinastia com dinheiro público à toa –, onde primeiros-ministros ficam no poder enquanto têm apoio, como na Inglaterra. Chávez ficaria no poder enquanto tivesse apoio.

É importante dizer, também, que a Constituição brasileira, de 1988 para cá, sofreu mais de 50 mudanças votadas no Congresso – ou seja, reformas constitucionais qualificadas, feitas por governos neoliberais. Ninguém achou que isso era golpe, e foram feitas sem nenhuma consulta popular. As mudanças que Chávez tenta fazer foram levadas a um debate público, por meio de referendo. A direita precisa deixar de hipocrisia, pois ela nunca foi tão democrática quanto a Venezuela nos dias de hoje.

Como disse uma articulista da Folha de S. Paulo recentemente, Chávez, apesar da derrota nas urnas, ainda pode sair ganhando, pois o resultado da consulta prova que seu regime é democrático, que ele pode perder.

CC: As críticas da falta de democracia na Venezuela, então, são infundadas?

GM: O governo de Chávez é o melhor governo da América Latina, é extremamente avançado, e o presidente teve habilidade ao construir o seu governo.

Agora, trata-se de um governo muito pessoal. Se Chávez é assassinado, o processo venezuelano fica comprometido. Não se criou uma cultura chavista, mas sim uma cultura de agregados, de apoio popular difuso. Não existe um partido com um núcleo de elaboração política para o governo da Venezuela – aliás, a elaboração política e teórica do governo é muito pobre.

Hugo Chávez, porém, é um tático excepcional. Entre o que ele fez ao longo dos anos há coisas geniais. A maneira como dividiu a oposição na questão das telecomunicações ao fazer um acordo com Gustavo Cisneros é um ponto alto da tática política mundial histórica.

CC: Em face das estruturas políticas tradicionais que observamos em países em desenvolvimento, você acredita que lideranças carismáticas que flertam com o populismo são um dos caminhos possíveis para que se consigam mudanças?

GM: É errado dizer que Chávez flerta com o populismo; ele é, sim, um populista. Precisamos largar a teorização feita pela direita da ciência política e mesmo por pessoas de esquerda de que o populismo é um mal. O populismo não é uma escolha, é uma situação histórica dada.

No Brasil, durante os anos 30, época em que não havia uma cultura de instituições democráticas urbanas consolidadas e estávamos saindo da República Velha, do voto de bico de pena, o avanço que houve no país no campo econômico e a migração das pessoas do campo para a cidade não tinham nenhuma referência de convívio institucional. A referência era um líder carismático, Getúlio Vargas. Isso também aconteceu na Argentina e no México.

Na Venezuela, por conta da crise profunda vivida no final do século XX, as instituições existentes estavam virando fumaça. A única maneira existente de impedir que o país se auto-destruísse era a chegada ao poder de um líder carismático, populista. Não há nenhum problema nisso; existem, sim, componentes autoritários em um líder populista, mas, naquela situação, não havia alternativa.

Como não há movimento popular estruturado, uma das funções do líder populista foi cumprir o papel de solidificar essas pontas. Chávez é uma etapa histórica na construção de instituições democráticas sólidas, que espero que seja transitória.

É preciso tirar da cabeça que o populismo é uma coisa negativa. Mesmo chavistas dizem que o presidente não é populista, mas é sim. E isso não é uma coisa ruim. Quem diz que o populismo é ruim é a direita, até mesmo pelas características de fortalecer o lado popular da sociedade de um governo do tipo.

Um problema do qual lideranças populistas padecem é a sua incapacidade em organizar a sociedade. Isso faz com que não tenham substituto à altura. Para se manter no poder, tais líderes não podem ter competidores; na Venezuela é assim, não há substituto à altura de Chávez.

CC: Quais os rumos que você acredita que o governo de Chávez deverá tomar a partir de agora? Há mesmo essa possibilidade de o presidente sair fortalecido pois o resultado nas urnas reitera a democracia existente em seu governo?

GM: Inicialmente, o governo sairá enfraquecido. A direita, não só na Venezuela como também na Bolívia e no Equador, tentará se reanimar. Se o governo venezuelano conseguir resolver os seus problemas, reaglutinar suas bases, se reaproximar dos setores moderados que momentaneamente – espero – se afastaram de Chávez, pode se fortalecer, sim.

Chávez não deverá moderar os objetivos estratégicos do processo na Venezuela, mas sim aprimorar sua flexibilidade tática para conseguir conviver com diferenças internas. O país cresce a 10% ao ano, e é muito difícil Chávez cair com estes índices. Agora, se isso acontecer, será algo muito preocupante.

CC: Quais as diferenças principais entre o governo da Bolívia e o governo venezuelano?

GM: O governo de Evo Morales teve sua origem no movimento social, Morales era dirigente sindical, houve mobilizações impressionantes no país entre 2001 e 2004. Na Bolívia, diferentemente da Venezuela, existe uma mobilização popular – por isso a direita, lá, tem um grande problema. Não é um governo sem apoio.

CC: E quais as suas opiniões sobre as mudanças possíveis no Equador de Rafael Correa?

GM: Lá, temos um caso novo. Até agora, Correa venceu uma grande batalha ao conseguir convocar a Constituinte. O Equador tem problemas gravíssimos: não tem moeda própria, é um país pobre, que viveu intensas ebulições nos últimos anos. Elegeram um governo popular, que caiu e foi substituído por um governo de direita; agora, levaram outro presidente popular ao poder.

Parece-me, à distância, que a situação no país está tranqüila. Quando Rafael Correa for tocar em pontos nevrálgicos do sistema de dominação de classes, tudo pode se radicalizar; quando as propostas de reforma começarem a ser votadas, aí sim haverá enfrentamento.

Contribuição ao debate de Municipalidades - CSOL/RS

O Coletivo Socialismo e Liberdade – CSoL é uma das correntes fundadoras do PSoL. Nesse pequeno período de existência o PSoL obteve avanços importantes. A legalização, a conquista de influência em organizações sindicais e estudantis, a formação de centenas de núcleos, a participação vitoriosa nas eleições presidenciais e a eleição de uma pequena, mas combativa bancada parlamentar, a realização do 1º Congresso Nacional, a campanha contra a corrupção expressa no “Fora Renan” (na qual faltou a integração das lutas contra as reformas da previdência e trabalhista) são alguns exemplos da esperança que setores sociais, ainda pequenos, mas crescentes, começam a depositar no nosso projeto.

A tarefa do 1º Encontro do PSoL de Porto Alegre é dar continuidade à construção do Partido, afastando qualquer política sectária ou que, pecando por impaciência, comprometa nosso projeto de poder para o País.

A tática eleitoral e a política de alianças devem ser uma decorrência do programa eleitoral que vamos propor nas eleições. O grande debate que o PSoL deve realizar é o balanço rigoroso da experiência de 16 anos de Governo da Frente Popular de forma a superá-lo e construir um programa anti-imperialista, anti-capitalista, socialista e democrático, aplicado às condições políticas e econômicas, determinadas pelos limites do município.

Isto é ainda mais importante quando as pesquisas e principalmente o sentimento que colhemos nos locais de trabalho e nas ruas mostram que “freqüentaremos o núcleo da polarização eleitoral”, para usar a feliz expressão de um companheiro da Executiva Estadual.

1º O PSoL é um Projeto Nacional

O PSoL é um projeto global de poder para o País e que, portanto, toda manobra tática deve ser pensada nessa ótica sob pena de, em nome das nossas necessidades locais, prejudicarmos o conjunto do Partido. Estamos numa fase de implantação do partido nos locais de trabalho, nas escolas, nas vilas, e a pergunta que reflete a experiência das pessoas com a política e com o PT não cala: “o PSoL não vai ser que nem o PT? O que garante?”

Em razão disto, entendemos que a coligação com o PV, longe de ser uma questão de princípio, não nos ajuda, já que esse partido não expressa nenhum processo de radicalização dos setores médios da sociedade com o Governo Lula, nem um processo de deslocamento a esquerda que justifique a nossa aproximação com eles para acelerar e completar a experiência com os Governos da burguesia.

O PV no país e no sentimento da população é um partido da base do Governo Lula, com participação nos Governos de Serra e Cassab, em São Paulo, e, que reúne também, gente como Sarney Filho. Mesmo Gabeira é tido por setores da imprensa como um possível elemento de renovação do “tucanato”, graças a sua atuação no que tange a corrupção, e que, agora, comemora a derrota do SIM no plebiscito na Venezuela.

O tempo de televisão que ganharemos em Porto Alegre, onde o PV “é diferente”, custará no resto do país a bandeira da coerência e, principalmente, a imagem de que o nosso Partido está contra toda a “bandalheira” do atual regime, ou, como escutamos quando discutimos o PSoL nos locais de trabalho e nas escolas, “o PSoL não faz parte dessa podridão, não se vendeu”.

Devemos reproduzir em Porto Alegre e no RS a aliança que realizamos com o PCB e o PSTU e outras organizações da esquerda, com e sem expressão partidária, que estão efetivamente enfrentando os Governos Federal, Estadual e Municipal.

2º O PSoL deve superar o modo petista de governar

A discussão do que foram as experiências do PT nas prefeituras ainda não foi organizada no Partido e deverá ser um dos principais pontos da Conferência Eleitoral de 2008.

O PT governou Porto Alegre por 4 mandatos e foi evoluindo de uma posição que com todas as contradições promoveu a intervenção nas empresas que controlam o transporte coletivo a parceria com elas. Ocorreu portanto um processo de adaptação a institucionalidade e equivocam-se os companheiros que acreditam que foi somente quando Lula ganhou a Presidência que o PT mudou ou traiu.

As bases desse processo podem ser identificadas com o 5º Encontro Nacional do PT em 1987. Naquela oportunidade a direção do PT, a Articulação, introduziu o “Programa Democrático e Popular” dando forma política-programática a adaptação do PT a adaptação a institucionalidade.

A participação nas eleições e a conquista de postos no parlamento deixaram de ser um reforço e a conquista de tribunas para a luta da classe trabalhadora para se transformar em um objetivo em si mesmo e fonte de recursos para o sustento de milhares de funcionários partidários.

Mas o pior é que serviu como norte para um projeto de mudanças por dentro do Estado, sem colocar a ruptura com o capitalismo, como se a direção formal do poder executivo assegurasse a realização de transformações apesar do conjunto da estrutura política e econômica seguir sob o controle da burguesia e seus partidos.

O modo petista de governar significou na prática a adoção de uma administração diferente dos recursos destinados às políticas sociais que atendem de forma limitada as reivindicações mais concretas da população.

O velho trabalhismo havia se constituído na corrente política hegemônica em Porto Alegre e no Rio Grande do Sul não apenas por encarnar no Estado o projeto nacional desenvolvimentista alicerçado na aliança entre a burguesia nacional e as classes “populares” mas também, e principalmente, por responder de alguma forma as demandas da população. Essas demandas eram mediadas pelos sindicatos, associações de moradores, lideres comunitários e etc.

O PT substituiu em grande parte esses intermediários por uma relação direta entre a Prefeitura e a população. A organização da população foi substituída pela ação dos indivíduos nas Assembléias do Orçamento Participativo. Sob a forma de democratização e participação popular o PT fragilizou as organizações políticas dos trabalhadores na disputa política da cidade impedindo o desenvolvimento de uma consciência independente. Talvez o exemplo mais simbólico desse aparente paradoxo seja a convivência pacifica entre as Administrações Petistas e o SIMPA dominado por gângsteres assassinos.

Nesse processo as comunidades se entregaram a um jogo de soma zero. Na medida em que o OP destinava uma ínfima parte do orçamento municipal para o atendimento das demandas o que se assistiu foi a disputa entre as comunidades pela execução das obras. É inegável que mesmo assim a população de Porto Alegre conseguiu inverter algumas prioridades de forma que principalmente nos primeiros anos assistiu-se ao asfaltamento e a implantação de serviços de saneamento em muitas regiões.

Mas o fato e que em nenhum momento o modo petista de governar se empenhou em utilizar seu prestigio e a organização popular para enfrentar para valer a burguesia, especializou-se em controlar as reivindicações populares via o OP e a negociar o conjunto da política municipal no terreno da Câmara de Vereadores sob a ótica de governar para todos varrendo para debaixo do tapete a luta de classes e abandonando qualquer veleidade socialista.

A superação desse modelo exige que o PSoL coloque no centro da sua elaboração política e programática o conceito da luta de classes. É impossível governar para todos. A tarefa de uma prefeitura do PSoL é se colocar ao lado dos trabalhadores e gerir o conjunto da cidade desse ponto de vista que ao mesmo tempo é o único capaz de oferecer uma perspectiva ampla e generosa para o conjunto da sociedade. São os trabalhadores, ao organizar os serviços municipais de acordo com os seus interesses, que vão conseguir organiza-los para o conjunto da população. Qualquer tentativa de conciliar esses interesses resultam em governar para a burguesia e, portanto, abrir mão de medidas anti-capitalistas, anti-imperialistas, democráticas e socialistas.

3º O PSoL deve propor um programa anti-imperialista, anti-capitalista, socialista e democrático para Porto Alegre e Região Metropolitana

Os princípios e elaborações que estão sistematizados no nosso Programa devem ser concretizados em um Programa Eleitoral. É importante que o Partido apresente a sociedade um conjunto de propostas que mostrem que as Prefeituras podem ser instrumentos valiosos na melhoria das condições de vida das pessoas.
Mas isso não pode ser confundido com uma melhoria na gestão de programas sociais ou da administração pública. O PSoL deve apresentar propostas que mostrem que os sofrimentos da população são o resultado da ação de governos que atuam a serviço dos grandes proprietários que estão cada vez mais ricos as custas da miséria da maioria do povo.

O PSoL precisa dizer em bom tom que no seu governo os tubarões da saúde não vão lucrar com a doença, que os donos das empresas de ônibus não vão seguir com um negócio sem risco, que as grandes empreiteiras não vão mais açambarcar as terras necessária a construção de moradias e parques e que o nosso governo estará a serviço da mobilização e da organização independente dos trabalhadores.

Esse Programa não pode ser construído tendo em conta apenas a situação em Porto Alegre sem levar em conta o conjunto da Região Metropolitana. Problemas como saúde, transporte, emprego, moradia são comuns e as medidas que pensarmos para o município devem estar articuladas com as necessidades do conjunto das populações da região. O Programa do PSoL de Porto Alegre deve ser capaz de se transformar numa bandeira de luta para os moradores de Viamão, Alvorada, Cachoeirinha, Gravataí, etc.

Neste sentido propomos que o PSoL discuta as seguintes questões:

  • Desemprego

O Programa do PSoL deve ter como eixo central a questão do emprego. Os trabalhadores precisam mais do que apenas serviços públicos, necessitam de emprego para se auto-sustentarem, o que lhes da auto-estima e segurança, que os tornam cidadãos ativos na luta política pelas transformações sociais. O PSoL deve ultrapassar o caráter PeTista, ou seja, de ser tão somente o intermediário de favores estatais, mas sim organizar e mobilizar a classe trabalhadora no combate pela dignidade das pessoas.

  • Plano de Obras Públicas

- Deve objetivar a solução dos problemas de infra-estrutura das regiões mais excluídas. Deve ser executada exclusivamente por empresas públicas geridas pela Prefeitura e controladas pelas organizações dos trabalhadores;

  • Redução da Jornada de Trabalho

- A Prefeitura deve estabelecer nos processos de licitação a exigência de que seus fornecedores pratiquem jornadas de trabalho de 36 horas;

  • Regulamentação do Comércio de Rua

- A Prefeitura deve regulamentar o Comércio de Rua de forma a permitir que os trabalhadores comercializem os seus produtos. Em relação ao contrabando, são as quadrilhas organizadas que devem ser combatidas e não os trabalhadores.

  • Saúde

Nosso programa deve mostrar a população que a doença não pode ser objeto de lucro. Devemos combater a mercantilização que domina o SUS. A garantia da prestação de serviços de caráter universal, integral e eqüitativa exige:

  • Que a Prefeitura assuma paulatinamente a responsabilidade de todos os serviços ambulatoriais, hospitalares e exames clínicos, de maneira que amplie a rede própria, e encampe as clinicas, hospitais e laboratórios necessários;
  • Que a Prefeitura exerça uma ampla fiscalização sobre os Planos de Saúde que utilizam os serviços do SUS;
  • Que a Prefeitura amplie os programas de prevenção e saneamento básico;
  • Que a Prefeitura atue nos Conselhos de Saúde em aliança exclusiva com as organizações dos movimentos sociais;
  • O PSoL deve discutir, em particular nos Sindicatos, a necessidade de que as campanhas salariais apresentem reivindicações em relação ao SUS e não apenas dos planos de saúde privados;
  • Adoção ampla de programas de educação sexual que vise combater as doenças sexualmente transmitidas e concepção indesejada;
  • Engajamento da Prefeitura na luta pela legalização do aborto;
  • Suspensão imediata de todos os processo de terceirização na Secretaria de Saúde, bem como a denúncia da proposta de fundações públicas elaborada pelo Ministério da Saúde.

  • Educação

A educação não pode ser tratada como mercadoria, pois é um direito fundamental de todo cidadão.

  • A Prefeitura deve assumir a responsabilidade sobre o acompanhamento das crianças mais pobres e as garanta livre acesso a creches, que devem ser geridas diretamente pela SMED;
  • Encampar progressivamente as creches comunitárias que visem o lucro;
  • A prefeitura deve ampliar a rede municipal de escolas de 1º e 2º grau profissionalizante. As estruturas físicas e culturais dessas unidades precisam estar a disposição permanente da comunidade, que deve ter amplo acesso a biblioteca, quadras de esporte e outros equipamentos, sem que desrespeite as atividades curriculares e extracurriculares dos estudantes.

  • Transporte

O sistema de transporte de Porto Alegre sustenta uma das maiores tarfias do País. A razão se deve ao oligopólio exercido pelas empresas de transporte, que, após a intervenção realizada no Governo Olívio, desenvolveram várias iniciativas que lhes garantiram a manutenção do controle do sistema. A passagem passou a ser corrigida com base a uma planilha de custos de forma quase automática, que passa a idéia falsa para a população de transparência, e, principalmente, de que nada poderia ser feito. Hoje as empresas se escondem atrás de consórcios. Hoje, em primeiro plano, parece que os empresários do transporte na Capital desapareceram.

O PSoL na Prefeitura deve enfrentar os interesses dos empresários do transporte:

  • Retirada da Planilha de Cálculo Tarifário;
  • O reajuste das tarifas não deve mais ser responsabilidade do Conselho Municipal dos Transportes Urbanos de Porto Alegre. O reajuste, quando necessário, precisa ser debatido com a sociedade civil em geral, e, que os livros contábeis das empresas sejam disponibilizadas para todos. É fundamental mostrar para a população que não se trata de uma questão técnica, mas sim de disputa política entre população e os proprietários das empresas;
  • A Carris deve ampliar suas operações, e, paulatinamente, absorver o conjunto das linhas da cidade. O objetivo é promover a encampação das empresas e municipalizar o serviço, ao mesmo tempo em que a empresa pública fique sob controle dos usuários;
  • Contra o TRI, que vem para aumentar o lucro dos empresários do transporte coletivo porto-alegrense e restringir ainda mais o acesso a estudantes e trabalhadores desempregados;
  • Contra o Projeto Portais da Cidade;
  • Ampliação do Trensurb com a construção de uma malha urbana de trens;
  • Passe livre para todos os estudantes e trabalhadores desempregados;
  • Desenvolver e estimular a utilização de transportes alternativos (ciclovias, linhas fluviais e etc.).

  • Meio Ambiente

Apesar da crescente importância dada para as questões ecológicas, os meios de comunicação exploram a questão sem fazer qualquer ligação com o modo de produção capitalista. A destruição da natureza é conseqüência da ação predatória aos recursos naturais por parte dos empresários em busca de maiores lucros. O problema não se restringe apenas a preservação da Amazônia, da Mata Atlântica ou das espécies ameaçadas de extinção. A preservação da natureza é um combate que tem que ser dado no dia-a-dia das grandes cidades e é inseparável da luta pelo socialismo.

  • Garantir a coleta seletiva e estabelecer amplos programas de reciclagem;
  • Proibição da comercialização de produtos transgênicos;
  • Arborização e replantio nas vias públicas, praças e parques;
  • Estimulo a adoção de sistemas ecológicos de iluminação e coleta de água nas residências e prédios públicos;
  • Lutar pela reforma urbana, pois, não há como lutar pela preservação do meio ambiente quando milhares de pessoas são obrigadas a destruí-lo, porque não tem condições de construir suas moradias em zonas urbanizadas.

  • Comunicação

O PSoL deve defender medidas que garantam a existência e independência da imprensa comunitária, bem como deve capacitar a população para que saiba utilizar os veículos de comunicação como forma de manifestação política e cultural.

  • A Prefeitura deve se posicionar ao lado de toda Rádio Comunitária perseguida pelo governo Federal através da Anatel e Polícia Federal;
  • Garantir que a maior parte da verba pública destinada para publicidade sejam utilizados em veículos alternativos, como jornais de bairro, TV’s e rádios comunitários.

  • Administração Pública

O PSoL, à frente do executivo municipal, não pode se limitar a administrar a máquina pública. Devemos entregar a administração da cidade aos trabalhadores e estimular ao máximo a participação popular. Isso significa atuar para construir organismos independentes que sejam responsáveis pelo Controle da Gestão e a elaboração do conjunto das políticas a serem desenvolvidas pela Prefeitura. A partir da experiência do Orçamento Participativo necessitamos avançar na direção da Construção de Conselho Populares.

  • Fim da terceirização na Prefeitura em todas as secretarias,em particular no DMLU, onde a adoção desse procedimento tem sido responsável pela super exploração de milhares de trabalhadores pelas empreiteiras e falsas cooperativas;
  • Limitação dos Cargos de Confiança ao Gabinete do Prefeito e dos Secretários Municipais, garantir apenas um número que garanta a implementação das políticas;
  • Redução do salário do Prefeito, Secretários e assessores tomando como base o salário de um trabalhador especializado;
  • Adoção de um sistema de impostos progressivos sobre os grandes proprietários;
  • Isenção de tarifas de água, IPTU e demais taxas municipais de empregados e aposentados que recebam até um salário mínimo e dos trabalhadores desempregados;
  • Suspensão e auditória da dívida externa e interna do Múnicipio;
  • Saúde do Trabalhador: adoção em toda a Prefeitura de medidas concretas e de conscientização que busque reduzir os riscos de segurança no trabalho e doenças profissionais,
  • Fornecimento de uniformes aos setores operários e outras repartições municipais que as desejem;
  • Discutir com o SIMPA medidas que compensem a reforma da previdência imposta por Lula com a adesão do PT e Fogaça.

4º Nossos objetivos nas Eleições de 2008

Esse programa precisa partir da compreensão de que a Prefeitura de Porto Alegre deve estar na linha de frente das lutas gerais da classe trabalhadora. A nossa Prefeita, Luciana Genro, não será uma simples administradora, a sua tarefa é utilizar o cargo para mobilizar os trabalhadores e liderar a luta pelas reivindicações mais necessárias para transformar nosso país de fato, sendo assim, é fundamental termos com eixos centrais o seguinte:

  • Não pagamento da dívida externa;
  • Reforma Agrária sob controle dos Trabalhadores;
  • Reversão das privatização das empresas estatais;
  • Contra a reforma da previdência, sindical e trabalhista.

Os nossos objetivos nessas eleições vão além de simplesmente disputá-la com perspectivas de vitórias e meta de elegermos uma bancada de vereadores, mas sim de fazer do PSoL um partido com centenas de núcleos nos locais de trabalhos, estudo e movimentos sociais. A grande vitória das eleições de 2008 será a filiação e a organização de milhares de trabalhadores ao PSoL. Devemos ter a preocupação especial de levar a campanha do PSoL até as fábricas e as grandes concentrações de miséria do município.

Sendo assim, nossa campanha deve ser um palanque para denunciar a burguesia, os governos e partidos que atuam sob suas ordens. Temos que atacar sem piedade Lula e o PT, com o cuidado de não secundarizar os candidatos do PFL e PSDB, que ao posar de oposição, muitas vezes se apóiam nas nossas críticas.


Quem Somos?

Coletivo Socialismo e Liberdade – CSoL é uma das corrente fundadoras do PSoL. Entendemos que nosso partido é a oportunidade de militantes e organizações da esquerda, com diferentes tradições, de construírem, a partir da atuação comum, uma nova síntese programática e organizativa a serviço da revolução socialista. Defendemos a construção do PSoL como um partido orgânico, organizado pelos núcleos militantes e, que, o mesmo detenha o poder de decisão e o controle sobre os dirigentes, de forma superar o atual estágio de federação de tendências. Para desenvolver esse trabalho, participamos do ‘Campo’ que apresentou a tese “Um programa socialista, classista e internacionalista para a revolução brasileira”, assinada por companheiros como: Plínio de Arruda Sampaio, Roberto Leher, Marcelo Badaró, Ricardo Antunes, Jorginho, Júnia Gouvêa, Tostão, entre outros e que edita a Revista Debate Socialista.