02 novembro, 2006

Adeus a Luiz Inácio

José Arbex Jr.
texto publicado na Caros Amigos na edição de outubro

Fernando Collor de Mello, Paulo Salim Maluf, Antonio Palocci, José Genoíno, João Paulo Cunha, Valdemar Costa Neto... O baile dos zumbis transborda os limites do clip de Michael Jackson e ganha os corredores do Congresso Nacional, embalado pela sinistra gargalhada de Vincent Price, que, incessantemente, anuncia: a Opus Dei vem aí. Alarmados frente à catástrofe, os brasileiros de boa fé, incluindo os participantes daquilo que sobrou da esquerda tupiniquim, multiplicam apelos para que todos cerrem fileiras em torno da candidatura de Luiz Inácio. Escolhem o suposto "mal menor", já que se tornou impossível postular o bem.

Mas há um pequeno problema neste raciocínio: Luiz Inácio é, precisamente, o maior responsável pelo tsunami político que hoje ameaça, com força redobrada, aumentar a miséria dos trabalhadores e jovens brasileiros. É o maior responsável, por ter frustrado o magnífico impulso de transformação social e política que, há quatro anos, o conduziu ao Planalto; por ter liderado o processo que transformou o Partido dos Trabalhadores em mísera e risível caricatura do magnífico instrumento de luta de classes construído pelas jornadas operárias dos anos 70 e 80; em síntese, por ter acatado as regras do jogo da casa grande, deixando para a senzala as migalhas do banquete.

Não há a menor garantia de que um segundo mandato de Luiz Inácio vá ser menos nefasto aos trabalhadores e jovens brasileiros do que um eventual governo Alckmin. A mera lógica indica o contrário. Em 2002, Luiz Inácio talvez ainda se sentisse algo constrangido pelas esperanças de 53 milhões de eleitores que acreditavam na vocação ética e democrática do PT; mesmo assim, fez o que fez. Agora, quando as cartas estão expostas sobre a mesa, e todos já sabem que do bom e velho PT só resta uma pálida lembrança, Luiz Inácio tem as mãos absolutamente livres para completar o serviço de destruição do que resta da precária tradição de esquerda no Brasil. Seu eventual segundo mandato não seria limitado, balizado ou orientado por qualquer compromisso histórico ou político com os trabalhadores, mas sim pelos acordos e compromissos firmados com os setores mais atrasados e nefastos da vida nacional.

Muitos preferem não enxergar o óbvio. Argumentam, por exemplo, que, apesar de tudo, as regiões mais pobres do país votaram com Luiz Inácio, o que demonstraria a orientação social de seu governo. O argumento é muito fraco, por várias e múltiplas razões. O "voto dos pobres", por si só, não demonstra coisa alguma: historicamente, um número infindável de políticos de todos os tipos recebeu o apoio dos setores populares menos favorecidos, de Adolf Hitler a Paulo Maluf, passando por Juan Perón e Getúlio Vargas. E daí? Além disso, uma leitura mais atenta do voto nordestino (base principal de Luiz Inácio) indicará um conjunto de alianças espúrias com os coronéis locais. Alguém acredita, por exemplo, que Luiz Inácio teria 75% dos votos no Maranhão, não fosse o apoio do neo-companheiro José Sarney? E mais: todos sabem que boa parte dos votos dos mais pobres foi comprada por programas paternalistas e de vocação autoritária, como é o caso do Bolsa Família.

Outros reproduzem um blá-blá-blá insuportável sobre uma suposta política externa altiva, ousada e autônoma no cenário mundial. Mesmo deixando de lado a desastrosa intervenção no Haiti, nada há na política externa de Luiz Inácio que a diferencie, qualitativamente, daquela anteriormente conduzida por Fernando Henrique Cardoso. Não é verdade que Luiz Inácio tenha "brecado a Alca" (é uma afirmação tão ridícula que nem vale a pena contestar), nem que tenha defendido os interesses da soberania nacional. Não por acaso, Luiz Inácio representou uma agradável surpresa para George Bush, como o próprio mandatário da Casa Branca fez questão de dizer, em diversas ocasiões, especialmente após ter participado de um lauto churrasco na Granja do Torto (raramente, o nome de um sítio terá sido tão apropriado).

Em seguida, vem a lenga-lenga das privatizações: Alckmin completaria o processo iniciado por Collor, intensificado por FHC e interrompido por Luiz Inácio. Trata-se de um claro equívoco. As privatizações jamais foram interrompidas. Contrariando promessas de campanha, Luiz Inácio entregou ao capital privado, internacional e nacional, reservas importantes de petróleo, não desenvolveu qualquer esforço para investigar as privatizações notoriamente irregulares praticadas por FHC e sancionou, em 2004, a LPPP (Lei de Parceria Público – Privada), que abre o caminho para privatização de todos os serviços públicos do país. É só uma questão de tempo e de interesse das corporações privadas – com Lula ou com Alckmin no Planalto -, até que novas e importantes privatizações sejam levadas a cabo.

Não apenas as privatizações não foram interrompidas, como o BNDES continuou carreando bilhões dos cofres públicos para o capital privado, mediante a concessão de empréstimos a juros de pai para filho. Não fosse, por exemplo, a Volkswagen anunciar a demissão de milhares de seus operários no Brasil, teria recebido um empréstimo de parcos meio bilhão de reais (com juros de 7,5% ao ano!), que ainda poderão engordar os cofres da empresa, após a conclusão de um acordo sindical. No que se refere aos outros setores da economia – respeito aos contratos firmados com o FMI, Banco Mundial e instituições privadas, estímulo ao agro-negócio, legalização dos transgênicos etc. – Luiz Inácio agiu como alma gêmea de FHC.

Resta, finalmente, um aspecto em que talvez Luiz Inácio tenha sido um pouco menos duro do que os seus antecessores: os movimentos sociais não foram submetidos a uma repressão tão feroz. Mas o aparente "lenimento" da polícia cobrou um preço muito alto: a cooptação de quadros para uma perspectiva de conciliação de classe, o atordoamento e corrupção das consciências dos militantes, o estímulo à passividade. Luiz Inácio talvez tenha sido um pouco menos feroz, mas foi igualmente burguês.

Que ninguém se iluda: Luiz Inácio frustrou as esperanças da nação brasileira, e assim abriu a avenida por onde passa o cortejo dos mortos vivos. Luiz Inácio não é alternativa real a Alckmin, e nisso consiste a tragédia tupiniquim: simplesmente, não há alternativa, justamente quando em toda a América Latina os povos oprimidos vão abrindo brechas e caminhos. Os trabalhadores e jovens brasileiros devem se preparar para outros quatro anos de investidas furiosas contra os seus direitos, e a melhor forma de fazê-lo, agora, é proclamar seu voto de desconfiança em Luiz Inácio, no PT e toda e qualquer organização que se oriente pela política de conciliação de classes. Se, como disse Karl Marx, a emancipação dos trabalhadores será obra dos próprios trabalhadores, ela passa, no Brasil, pelo adeus a Luiz Inácio.




Fotolog: http://ubbibr.fotolog.com/mgabriel/

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