13 março, 2007

Frente única para despoluir a esquerda

A esquerda socialista brasileira está vivendo em um ambiente hostil. Envenenado pela confusão promovida pelo governo Lula, mas também por nossas próprias fraquezas. A resposta para situações como essas costuma ser a tática da frente única. Mas, há quem defenda esse tipo de tática apenas para poluir ainda mais nosso meio.

O segundo governo Lula deve começar ainda mais conservador que o primeiro. Afinal, f oram feitos vários acordos em busca da reeleição. O mais simbólico foi o que permitiu a adesão do governo Blairo Maggi, governador do Mato Grosso, estado campeão nacional em desmatamento e mundial em queimadas. Mas há outros apoios sintomáticos, como os de Delfim Neto, Maluf, Dornelles, Collor de Mello, família Sarney, Jader Barbalho, Geddel Vieira, entre outros. Para piorar o quadro, o Congresso eleito tem um perfil ainda mais conservador. A pressão por medidas conservadoras vai subir. A perspectiva de o próximo governo depender da bancada do PMDB é sombria para quem luta por transformações sociais.

Por outro lado, o fenômeno que atinge os setores populares sob governos que apóiam é bastante conhecido. Trata-se da constante tensão entre pressionar para ver suas reivindicações atendidas e temer que pressão em demasia acabe enfraquecendo o governo que apóiam. Entre uma e outra atitude a maior tendência é haver mais confusão e paralisia política. E diante disso, a burguesia não ficará parada. Vai tentar atacar ainda mais direitos e conquistas, contando com grande ajuda do governo petista.

Este quadro caracteriza uma situação de enorme defensiva dos trabalhadores e explorados em geral. E nessas situações a tática recomendada é a da frente única. Ou seja, um chamado a todos os setores militantes do País para se unir em torno de tarefas concretas. Por exemplo, a luta pela a anulação das reformas neoliberais e outras medidas de mesmo tipo e contra novos ataques aos direitos da população. Somente no calor dessa batalha é que será possível manter um mínimo de unidade entre os que combatem na mesma trincheira, mesmo que alguns de nós tenham apoiado um governo que não pára de nos atacar. Não se trata de ter esperanças em burocratas, oportunistas e vendidos. Estamos falando de milhares de militantes sociais, cujo horizonte está preso aos limites da disputa institucional. Trata-se de oferecer a eles e elas referências para permanecer em luta, com independência de classe. Não referências retóricas, mas propostas concretas.

Na verdade, muitos setores já vêm defendendo essa tática, mas aplicam algo bastante diferente. Geralmente, o que acontece é um chamado pela unidade em que aqueles que a propõem ficam de olho somente nas diferenças e não no que pode haver de comum entre nós. A frente única funcionaria como um expediente para desmascarar as outras forças políticas, que seriam todas reformistas, oportunistas, capituladoras etc. E não se trata disso. A frente única é uma forma de criar um ambiente favorável para o avanço das lutas. Claro que em seu interior haveria disputa política. Mas tal disputa tem que se dar em torno das formas de fazer avançar a luta e não de auto-construção de correntes, partidos e coletivos a qualquer custo.

Não se trata de ser "bonzinho" ou "conciliador". Trata-se da sobrevivência da esquerda socialista. Nosso hábitat político está seriamente comprometido. Se não há oxigênio suficiente para todos não podemos nos dar ao luxo de poluir ainda mais nosso meio com divergências superficiais. Num contexto de desilusão e hostilidade em relação a partidos políticos somente a atuação comprometida com as causas populares pode começar a recuperar a confiança dos setores em luta nas organizações de esquerda. Aí sim, no calor do combate, podem cair as máscaras de setores burocratizados e oportunistas. Algo que não costuma acontecer apenas através exposições retóricas de divergências para audiências cada vez menores.

Faz parte dessa necessidade de melhorar nossa capacidade de sobrevivência a superação da fragilidade da elaboração teórica da esquerda brasileira. Temos que passar por um balanço rigoroso, incluindo crítica e auto-crítica que avancem para além de "meas culpas" formais. Muitas das análises feitas entre os socialistas estão presas a uma realidade de 20 ou 30 anos atrás. O balanço em relação ao papel do PT e da CUT, por exemplo, tem que sair do campo moral, superando as acusações de traição de "direções vendidas". É preciso estudar e debater fenômenos como a onda de migração dos anos 1970 do campo para as grandes cidades brasileiras, a reestruturação produtiva, a desindustrialização, a mudança do perfil da classe trabalhadora, a ocupação dos latifúndios pelo agronegócio, a questão ambiental, a importância fundamental do machismo na dominação de classe e do racismo na dominação burguesa, a ação sofisticada da grande mídia no sentido de impedir que qualquer informação, debate ou polêmica passe por fora de seus mecanismos, o desmonte do Estado, a ação das ONGs substituindo o Estado e recrutando quadros intelectuais que poderiam estar a serviço dos movimentos e partidos populares, a criminalização da pobreza. Enfim, são inúmeros aspectos da realidade que já receberam atenção de analistas isoladamente, mas não foram sistematizados para sua utilização política-ideológica pelos socialistas.

Frente única tem que expressar a unidade entre o encaminhamento de tarefas concretas junto aos que estão na luta e o debate aprofundado sobre nossos erros, acertos e a realidade que nos cerca. Com a ameaça concreta de novos ataques aos direitos e à organização dos trabalhadores os setores que melhor aplicarem essa tática terão enormes chances de crescerem. Um crescimento que não se daria apesar da situação defensiva da classe, mas como resultado do avanço do nível de consciência e recuperação da ofensiva por parte de seus setores militantes. Um crescimento como resultado da melhoria das condições gerais de nosso "bioma" e não do desempenho de alguns espécimes mais "adaptados" à hostilidade do meio. Não nos interessam águas podres com alguns poucos tubarões sobreviventes. E isso vale para todos os níveis de atuação: sindical, partidário, popular etc. Afinal, os verdadeiros socialistas não vivem em nichos. Fazemos todos parte do mesmo ecossistema.

Sérgio Domingues – janeiro de 2007

Militante do PSoL-RJ e integrante do Coletivo Revolutas

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