22 outubro, 2006

Contra o candidato Alckmin, contra a criminalização da pobreza, contra a criminalização dos movimentos sociais

Coletivo Contra Tortura

A partir de 1929 os comunistas, orientados pela III Internacional, aplicaram uma política na Europa, sobretudo na Alemanha, que consistia em definir como seu principal inimigo a social-democracia, amplamente majoritária no movimento operário alemão. Classificando os social-democratas como “social-fascistas”, os comunistas chegaram a fazer alianças partidárias com os nazistas contra os social-democratas, o que permitiu, junto com a paralisia da social-democracia, que os nazistas chegassem ao poder pela via eleitoral, sem que a esquerda e o movimento operário opusessem qualquer resistência. Depois do incêndio do Reichstag, em fevereiro de 1933, as regras da democracia da República de Weimar foram suspensas e operários, comunistas e social-democratas foram colocados na clandestinidade, perseguidos, presos e assassinados.

Em 2002, o candidato da ultra direita Jean-Marie Le Pen, da Frente Nacional, alcançou o segundo turno das eleições presidenciais da França para concorrer com o candidato da direita, Jacques Chirac, ficando os socialistas excluídos da eleição. Houve uma comoção geral no país, pois Le Pen era entendido como alguém que pretendia romper com a ordem democrática e caminhar para um fascismo. A esquerda e grande parte da extrema esquerda chamaram então ao voto contra Le Pen, que ocasionalmente implicava em votar no direitista republicano Chirac.

Estes dois exemplos históricos, embora bastantes distantes pelo seu conteúdo e pela sua localização geográfica e temporal, lembram, de alguma maneira, a encruzilhada que estamos vivendo desde que o candidato Geraldo Alckmin alcançou o segundo turno presidencial. Pois além de condividir com outros tucanos mais eminentes as posições neoliberais e ser adepto da seita católica Opus Dei, esse candidato tem em seu currículo um histórico de prática governamental na área de segurança pública que está sendo ocultado e omitido.

Nós, que militamos na área de direitos humanos em São Paulo desde que Alckmin ascendeu ao governo do Estado de São Paulo, em março de 2001, quando da morte de Mário Covas, sentimo-nos responsáveis por trazer esse histórico ao conhecimento daqueles que não acompanharam essa trajetória. É preciso que os eleitores que defendem os direitos humanos e a democracia tenham condições de imaginar o que poderá acontecer ao Brasil caso esse candidato se eleja como presidente.

Desde janeiro de 2002 Alckmin nomeou como Secretário da Segurança Pública o seu homem forte, Saulo de Castro Abreu Filho, que já havia se notabilizado como presidente da Febem. Desde essa época essa dupla implantou uma política de segurança pública desastrosa, espalhando terror entre as populações pobres das periferias e enfrentando o problema do crescimento da criminalidade apenas com a solução mágica de cada vez construir mais presídios.

A dupla inaugurou sua atuação com um ato espetacular e absolutamente ilegal do qual redundou o massacre do Castelinho. O acontecimento forjado foi apresentado como “a hora da virada na batalha contra o crime” no marco da campanha eleitoral que pretendia eleger Alckmin (já que ele era apenas um vice que substituiu um morto) como governador em 2002. Por iniciativa de Saulo e com o beneplácito de Alckmin, mediante uma autorização ilegal concedida por dois juízes-corregedores, dois presos já cumprindo pena foram retirados de seus presídios, a eles se deu carro, telefone celular e etc, e convidados a se infiltrarem em um grupo supostamente do PCC. Os dois infiltrados convidaram o grupo para um assalto a um avião que descarregaria, supostamente, 28 milhões de reais. 12 pessoas aceitaram o convite, foram colocadas em um ônibus, a elas foram fornecidas armas com balas de festim e, na manhã de 12 de março, num pedágio de estrada conhecido como Castelinho, na região de Sorocaba, foram emboscadas pela polícia e fuziladas com tiros nas costas e na cabeça. Naturalmente nenhum policial se machucou no “tiroteio” e o fato foi apresentado à população como o fim do PCC para os efeitos eleitorais de 2002. A trama incluía ainda muitas outras ilegalidades, assassinatos e torturas de presos, desvendadas pela imprensa, pela OAB-SP da época e pelas entidades de direitos humanos. O Ministério Público abriu inquérito contra vários policiais, contra os dois juízes e contra Saulo, mas nos meandros da Justiça, ninguém foi punido. O caso foi levado à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA pelo Dr. Hélio Bicudo.

Em abril de 2003 as entidades de direitos humanos ficaram sabendo pela imprensa, que a dupla Alckmin-Saulo havia nomeado o delegado Aparecido Laertes Calandra para a Chefia do Departamento de Inteligência da Polícia Civil. Calandra era lembrado por inúmeros presos políticos torturados no DOI-Codi de São Paulo como o torturador conhecido como “Capitão Ubirajara”. Apesar de uma vasta e intensa campanha de caráter nacional – o “Fora Calandra” - pedindo a sua exoneração, Alckmin manteve-o no cargo durante meses, justificando a presença do torturador na cúpula da polícia pela Lei da Anistia, que também teria anistiado torturadores, só o afastando discretamente meses depois.

É de autoria da dupla Alckmin-Saulo, e de um amplo segmento de juízes, promotores, advogados, radialistas e outros – os formadores da opinião pública obscurantista – a invenção do RDD (Regime Disciplinar Diferenciado), colocado em prática nas prisões de São Paulo e depois transformado em lei em 2003 (Lei 10.792), com o apoio do PT. Segundo as convenções internacionais da ONU e da OEA, o isolamento caracterizado pelo RDD - ausência de contato físico com outros presos, proibição de acesso a jornais, rádio e televisão, visitas limitadas, encerramento em celas de dimensão diminuta - é uma tortura caracterizada como “privação sensorial”, que pretende o aniquilamento da personalidade do preso, podendo levar à loucura e até a morte. Além disso, vários juristas e organismos judiciais têm se manifestado sobre o caráter inconstitucional do RDD, pois ele se contrapõe ao princípio da ressocialização dos presos.

A Febem (Fundação do Bem-Estar do Menor), instituição paulista que tem se caracterizado pelas denúncias de tortura constante dos internos ao longo de todos estes anos, é um verdadeiro cancro da sociedade. Adolescentes são agrupados em edifícios construídos como prisões, sem qualquer programa educativo que os mobilize. O autoritarismo e a prática constantes de castigos corporais naturalmente leva a rebeliões que são seguidas de invasões da Tropa de Choque da Polícia Militar e do “Choquinho” (polícia interna da Fundação sob o comando de policiais militares), e resultam em ferimentos e até em mortes de adolescentes. O problema da tortura da Febem é recorrente e o governo Alckmin está sendo processado nos organismos internacionais em processos amplamente documentados.

A população carcerária do Estado de São Paulo é a maior do Brasil: cerca de 143.000 presos em 144 presídios, em proporção que não equivale ao tamanho de sua população. A política de Alckmin, explicitamente reivindicada nos poucos momentos da campanha em que falou de segurança pública, é encarcerar o maior número possível de pessoas, naturalmente pessoas dos extratos mais pobres da população. A cada mês cerca de 1000 pessoas a mais são incorporadas à população carcerária. Ao mesmo tempo, com a colaboração de amplos setores do Judiciário, nada é feito para liberar os presos que já cumpriram pena ou para pôr em prática o regime de progressão para o semi-aberto previsto na Lei de Execuções Penais. Estimou-se, quando da crise de maio deste ano, que pelo menos 15 mil presos já estariam em condições de sair livres ou para regime semi-aberto.

Por outro lado, as polícias de São Paulo exercem suas funções de policiamento com incursões que revelam um alto grau de letalidade, assumido como se fosse banalidade. Em resposta à primeira onda de ataques do PCC, a partir de 12 de maio, as autoridades policiais e estatais estimularam a reação policial de matança indiscriminada de “suspeitos”, não por acaso escolhidos nos bairros pobres e favelas das periferias da Grande São Paulo e do interior do estado. Autoridades declararam em frases altissonantes: “vai morrer uma média de 10 a 15 bandidos por dia em São Paulo”, “vamos zerar o jogo”, etc. O resultado foi a morte de um número ainda não esclarecido de pessoas – que pode chegar até a mais de 400, entre 12 e 31 de maio - executadas, seja por forças policiais, seja por “grupos de extermínio” que mal disfarçavam serem compostos e apoiados por policiais. No centro desse episódio bárbaro, até hoje não esclarecido, estava o Secretário de Segurança Pública, Saulo de Castro, homem que Alckmin deixou no governo do vice, Cláudio Lembo. Saulo chegou ao desplante de justificar a execução de “suspeitos” e recusou-se a fornecer a lista oficial de nomes de mortos pela polícia, sendo necessária a intervenção do Ministério Público para que ele o fizesse.

A política de segurança pública do governo Alckmin é a principal responsável pelo crescimento do PCC. Não porque “dialogou com os bandidos”, como gostam alguns demagogos de acusar, mas pelo contrário: pela falta de diálogo total com os representantes dos presos, criando os canais apropriados para amenizar a calamitosa situação dos presídios; pela resposta de brutalidade e truculência com que os agentes do Estado tratam as populações das periferias pobres; e pela constante ameaça de maior endurecimento ainda de leis e procedimentos judiciais para os crimes praticados pelos pobres. A continuidade dessa política só tenderá a fazer crescer mais ainda a reação violenta daqueles que se sentem oprimidos.

A truculência policial tem ainda se manifestado de forma intensa na repressão aos movimentos sociais dos sem-terra, dos sem-teto, dos ambulantes, dos catadores de papéis e de outras comunidades que lutam. Ocupações são desalojadas na maior brutalidade por policiais militares, sem qualquer respeito por idosos e crianças.

Na situação dramática de criminalização da pobreza e dos movimentos sociais organizados, aguda no Estado de São Paulo e presente em todo o Brasil de modo geral, o governo federal do PT não é inocente. A política de direitos humanos do governo Lula sempre foi marcado por atos tímidos e concessões colossais às forças da opinião pública obscurantista. Primeiro pelo papel que teve na aprovação da lei do RDD, um método de tortura legalizado. Em seguida pelo abandono do Plano Nacional de Segurança que propunha o Sistema Único de Segurança Pública, quando da saída de Luiz Eduardo Soares do governo. Em seguida ainda pela rejeição em abrir os arquivos da ditadura que interessam, isto é, os do CIE (Centro de Informações do Exército), do Cenimar (Centro de Informações da Marinha) e da Cisa (Centro de Informações da Aeronáutica) e ao se furtar a cumprir sentença judicial que mandava abrir os arquivos da Guerrilha do Araguaia. E por fim pela criação da Força Nacional de Segurança Pública, cuja atuação no presídio de Viana, na região metropolitana de Vitória, no Espírito Santo, se caracterizou pela tortura sistemática dos presos, conforme denúncias de entidades de direitos humanos. É por isso que em outubro de 2005 a política de direitos humanos do Brasil foi duramente criticada na reunião do Comitê de Direitos Humanos da ONU e considerada um “fracasso”.

O crescimento da opinião pública obscurantista no que se refere à segurança pública e os ataques aos direitos humanos é um fato generalizado no Brasil e no mundo. Vimos há pouco tempo a tortura em Guantânamo e em centros clandestinos fora dos EU ser legalizada pelo parlamento americano. É preciso que este assunto venha à tôna e que cada candidato assuma suas responsabilidades na radicalização da conjuntura social. Pois hoje é a pobreza que é criminalizada, mas já se começa a criminalizar também os movimentos sociais que lutam. Amanhã serão os sindicalistas rebeldes e depois os partidos da esquerda radical.

CONTRA A CRIMINALIZAÇÃO DA POBREZA

CONTRA A CRIMINALIZAÇÃO DOS MOVIMENTOS SOCIAIS

COLETIVO CONTRA TORTURA

outubro de 2006





Reggae e Socialismo: http://www.orkut.com/Community.aspx?cmm=12329912

Voto Helo?sa Helena - Sergipe: http://www.orkut.com/Community.aspx?cmm=12329912

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