15 outubro, 2006

DEBATE ELEITORAL E AS PERSPECTIVAS PARA OS SOCIALISTAS

Roberto Leher

A arrogância das certezas e dos juízos definitivos não é compatível com o espírito científico. Há mais de meio milênio William Shakespeare com seu desconcertante senso crítico alertava que “Há mais coisas entre o céu e a terra (...) do que sonha a nossa vã filosofia" (Ato I - Cena V: Hamlet). O debate sobre o voto no segundo turno, se em Lula da Silva ou nulo (este texto assume como obviamente fora de questão o voto em Alckmin), salvo honrosas exceções, parece ter enredado por um caminho irracionalista – a certeza dogmática do posicionamento correto: quem não vota em Lula da Silva é pequeno burguês e apóia o retrocesso neoliberal - que terá graves implicações políticas para as lutas pela emancipação social.



Após a “surpresa” de que haverá um segundo turno, a rede web está congestionada de tanta mensagem comparando o desempenho de Lula da Silva vis-à-vis ao de Cardoso, obviamente mostrando como os indicadores do representante do PT são superiores aos do PSDB. Em que pese graves erros metodológicos, como os que sustentam que o neoliberalismo de Lula da Silva foi capaz de alterar o ponteiro da desigualdade social no país (dando razão aos adeptos do neoliberalismo de que a macroeconomia neoclássica é capaz de promover a justiça social), tema a que voltarei adiante, surpreende que o “metro” da análise do governo Lula da Silva seja o metro das políticas neoliberais.



Aqui, diferente do problema teórico e metodológico da desigualdade social, a questão é outra: a maior vitória que os dominantes podem ter é justamente quando os de baixo pensam conforme os seus parâmetros. Gramsci nos ensinou com os conceitos de hegemonia e transformismo que uma hegemonia é dominante quando é capaz de incluir em seu sistema de pensamento o ponto de vista inclusive de setores outrora em oposição e, não menos importante, assimilar os quadros políticos mais destacados das forças adversárias ao seu sistema político.

Nessa perspectiva, quando o metro do acerto ou do erro de Lula da Silva é tomado emprestado do neoliberalismo de Cardoso estamos diante de uma derrota intelectual, pois, ao não reivindicarmos outras perspectivas fora do marco neoliberal, estamos reconhecendo que afinal Thatcher tinha razão quando afirmava que “Não Há Alternativa” (TINA, por sua sigla em inglês) ou, tão terrível quanto, que o ideólogo do Departamento de Estado dos EUA, Francis Fukuyama, expressava uma verdade quando asseverava a tese do fim da história.

E pior, causa profunda apreensão o fato de que parte significativa da intelligentsia da esquerda insista em separar o econômico do político e o econômico do social, sob a fórmula: “a política econômica do governo é péssima, mas a política externa e a área social são excelentes ou se não merecedoras de tal adjetivo, ao menos são avanços inquestionáveis etc. Ellen Wood em um extraordinário livro[1] nos mostra que a dominação burguesa por meios “democráticos” tem sido possível justamente devido à disjunção das esferas econômica e política, possibilitando que a democracia econômica tivesse sido suprimida em favor da “democracia” política. É essa concepção que justifica a autonomia do Banco Central frente à soberania popular, por exemplo (situação que ocorreu tanto no governo Cardoso como no de Lula da Silva). Essas análises têm e terão repercussões muito graves, pois, nesse caminho, a esquerda perderá o que restou de patrimônio teórico, anunciando derrotas muito duradouras e de conseqüências imprevisíveis.



Se não adotarmos como metro a agenda (e os parâmetros a ela associados) de Cardoso (e do neoliberalismo em geral), podemos pensar em alguns elementos que poderiam ser definidores de distinções que poderiam justificar o voto em Lula da Silva ou, alternativamente, o voto nulo.

Grande parte das manifestações a favor do voto “útil” reconhece que o governo de Lula foi ruim, mas, independente dessa avaliação, destacados movimentos avaliam que, ainda assim, cabe reivindicar e avalizar, em seus próprios nomes, um novo mandato para Lula da Silva. Buscando incorporar as contribuições sérias ao debate, como a de representantes de movimentos sociais ou de intelectuais de fato comprometidos com o socialismo, podemos destacar alguns pontos que poderiam servir de referência para julgar se o governo de Lula da Silva pode servir de aresta para potencializar as lutas futuras e com isso justificar o voto “útil” em um novo mandato para o governo atual.



Com efeito, conforme o controverso editorial do Brasil de Fato (11.10.2006), parece haver consenso de que “Um balanço dos quatro anos de mandato do presidente Lula deixa um decepcionante saldo para a classe trabalhadora, sobretudo no que diz respeito à economia” (...), contudo, partindo novamente da disjunção acima apontada (entre o econômico e o político e social) o referido Editorial assevera que “Hoje, o inimigo principal é o bloco que se aglutina em torno da candidatura Geraldo Alckmin. É este, portanto, que deve ser derrotado nas atuais eleições. Assim, votar Lula, mesmo sem qualquer ilusão no que diz respeito à sua política econômica, é um dever de todos nós que constituímos a classe trabalhadora e o povo brasileiro”.



Uma síntese dos argumentos a favor do voto em Lula da Silva não poderia deixar de incluir as seguintes questões:



1. O fato de que inimigo principal é o bloco que se aglutina em torno da candidatura Geraldo Alckmin.

2. Embora a sua política econômica seja ruim, o governo promoveu avanços na área social, em particular no programa bolsa família, na educação e na questão agrária.

3. O ponteiro da desigualdade social se moveu pela primeira vez, em benefício dos trabalhadores.

4. A política externa se afastou dos EUA, contribuiu para inviabilizar o ALCA e teve papel decisivo no fortalecimento de um novo pólo de feições terceiro-mundistas.

5. As privatizações foram interrompidas e o Estado está sendo reorganizado.

6. O governo dialogou com os movimentos sociais e com os sindicatos, abandonando a repressão e incentivando a participação social.



Não é propósito deste texto elaborar uma análise pormenorizada desses seis itens. As indicações a seguir apresentadas são preliminares e certamente mereceriam cada uma delas um extenso estudo. A primeira questão, por ser mais abrangente será examinada com mais vagar.

1. Quem são os dominantes e como eles têm se manifestado na eleição. É certo que Alckmin reuniu os dominantes para o seu bloco e Lula da Silva está somente amparado no povo ou em uma burguesia desvinculada do imperialismo?

Afirmar que o inimigo principal é o bloco que se aglutina em torno de Alckmin é asseverar que o bloco que sustenta Lula da Silva é composto por inimigos secundários. Essa afirmação é sumamente grave. Considerando o imperialismo como uma categoria explicativa do capitalismo de hoje, é inaceitável a afirmação de que o capital financeiro, o agronegócio e o setor exportador de commodities são inimigos secundários, menos letais do que os reunidos em torno de Alckmin. Vejamos com mais detalhes a questão.



Não houve nenhuma reversão na tendência de fortalecimento das frações burguesas mais internacionalizadas, ao contrário, no período de Lula da Silva a participação do setor mais internacionalizado conheceu extraordinário fortalecimento. No período Cardoso, para cada R$ 100,00 gerado na economia, R$ 14,50 dependiam da dinâmica externa da economia, no governo Lula da Silva este valor subiu para R$ 47,00, conforme aponta o economista Reinaldo Gonçalves. Esse quadro aponta para um agravamento da condição capitalista dependente.



Não é causal que no momento de maior crise do governo, quando o publicitário da Campanha de 2002 afirmou que o financiamento da campanha foi parcialmente proveniente de recursos de paraísos fiscais localizados fora do país, o que legalmente poderia abrir caminho para o impeachment, os EUA saíram em defesa do governo Lula da Silva. Não apenas declarações de apoio de Condoleezza Rice, mas uma visita emergencial do ex-Secretário do Tesouro dos EUA, John Snow, indicaram que o afastamento de Lula da Silva não teria o apoio da Casa Branca, situação esperada caso Lula da Silva contrariasse Washington, como ocorreu com Hugo Chaves ou com Allende e Jango. Lideranças empresariais de porte como Antônio Ermínio de Moraes, entidades como a Federação Brasileira dos Bancos (Febraban) e os representantes do agronegócio e proeminentes lideranças do PSDB, como o governador de Minas Gerais saíram em defesa do governo. O ministro do Desenvolvimento, Luiz Fernando Furlan, um dos organizadores dos contatos que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva manteve com investidores em Nova York com representantes de empresas como Citigroup, Ford, Fedex, Shell, Lucent Technologies e Microsoft, sustentou que a crise política não atrapalha o “vigor” da economia brasileira.



De fato, a evidência mais importante de que os senhores do mundo querem Lula da Silva foi a visita emergencial do ex-secretário do Tesouro dos EUA, John Snow, que chegou ao país quando o governo Lula parecia se desfazer, reunindo a Câmara Americana de Comércio, as financeiras e os bancos. Snow fez elogios ao presidente Lula e ao ex-Ministro da fazenda e afirmou que enquanto a estabilidade econômica for mantida, o governo e os investidores não devem se preocupar com as denúncias de corrupção e a crise política que atinge o país. Afirmou, ainda, que o então ministro da Fazenda “reflete o compromisso do país com boas políticas” e “uma boa economia é aquela na qual o capital circula livremente”. Defendeu a retomada da criação da área de livre comércio das Américas (ALCA), citando o acordo dos países da América Central e do Caribe (Cafta) que, segundo ele, daria outro ímpeto as negociações da Alca[2] .

Grandes empresários fizeram tensas reuniões para discutir saídas para blindar a economia. Uma das saídas apontadas seria costurar um acordo político que interrompesse a “onda de denuncismo”.[3] O presidente do Bradesco e da Febraban, Márcio Cypriano, foi na mesma linha: as denúncias de corrupção política não podem parar o Brasil[4].

Os adeptos da tese de um suposto golpe da direita contra Lula da Silva reivindicam a fala do ex-presidente Cardoso que propôs que Lula deveria anunciar que não se candidataria em 2006 e a repugnante virulência da revista Veja, um periódico semanal de direita que representa parte do PSDB e é muito vinculada à frações do capital estrangeiro. Contudo, a tese do impeachment de Lula da Silva e as denúncias contra Meirelles não tiveram o aval do sistema Globo, o maior do país, cuja tevê (TV Globo) é líder inconteste de audiência, bem como de nenhum grande periódico do país, distintamente de Collor de Mello, por exemplo.



As críticas laterais ao governo Lula feitas pelos grandes meios de comunicação se concentraram nas denúncias epidérmicas de corrupção, sempre blindando a área econômica e o próprio Lula da Silva. Certamente, os dominantes sabem que quanto mais frágil e debilitado, mais Lula irá abraçar a causa do grande capital (ver proposta do ex-ministro Palocci de provocar uma drástica queda no que restou das barreiras alfandegárias no país, acima inclusive dos marcos da OMC ou a proposta de déficit nominal zero de Antônio Delfin Neto que sustenta que Lula da Silva a apóia, sem ser desmentido pelo governo).



As críticas do PSDB e do PFL – junto com Veja – ecoam o sentimento de uma parte da burguesia, justo hoje a mais débil (a base do setor do agronegócio e setores do comércio e do setor exportador, justo os setores atingidos pela política macroeconômica de Lula da Silva que manteve juros estratosféricos e, com isso, apreciou o Real, reduzindo a competitividade das exportações e abriu o mercado do país aos produtos chineses quebrando setores internos). Contudo, as frações mais perniciosas seguem com Lula da Silva (como as representadas pela Câmara Americana de Comércio, os bancos, os fundos de pensão, as financeiras e os mega exportadores de commodities e do agronegócio que promovem saqueio ao meio ambiente (minérios etc.) e hiper exploram o trabalho, como o agronegócio ligado ao álcool e parte significativa da soja).



Evidentemente, Lula da Silva não é uma escolha dos dominantes, mas uma contingência que, entretanto, é muito útil ao capital. Caso fosse Cardoso ou um representante do tucanato, a sangria das verbas públicas para o capital rentista, representada por um milhar de famílias, seria objeto de maior contestação, assim como o seriam as contra-reformas da previdência, a lei de falência, as parcerias público-privadas, a concessão de áreas petrolíferas às corporações multinacionais etc.



O governo de Lula da Silva, “o suposto governo social e amigo dos movimentos sociais”, foi sumamente generoso com a banca. A Dívida Líquida do Setor Público (que soma as dívidas externa e interna) subiu de 29,35% para 51,87% do PIB entre 1995 e 2004. Do início de 2003, até julho deste ano, foi repassado para os credores o montante de R$ 493 bilhões de juros da dívida pública (e que, até o fim de 2006, vai ultrapassar os R$ 511 bilhões propiciados pelo 2º Governo FHC).



Para fazer esses repasses para o setor rentista, a área social e os investimentos em infra-estrutura tiveram de ceder grande parte de seus orçamentos, por meio de mecanismos como a manutenção (e, tudo indica que em um possível segundo mandato, a ampliação) da desvinculação de receitas da União que retira 35% dos recursos educacionais (ao retirar 20% da receita de impostos vinculados) e do estabelecimento de metas elevadíssimas de superávit primário. Em grandes números, podemos acompanhar como os superávits fiscais primários cresceram a partir da crise de 1998: de 3,75% do PIB (R$ 165 bilhões durante o 2º Governo FHC) para 4,25%, a meta acertada com o FMI no governo Lula (que, na prática, realizou superávits de 4,3% em 2003, 4,6% em 2004 e 4,8% em 2005, transferindo, como decorrência, R$ 303,6 bilhões aos banqueiros, até julho deste ano, como pagamento de parte dos juros[5]). E essa situação somente tende a piorar, pois o valor que está sendo “economizado” pelo Superávit Primário, a cada ano, não é suficiente para pagar o total dos juros da dívida. Em 2004, por exemplo, o Governo Federal tinha de pagar R$ 79 bilhões em juros da dívida. Como o superávit primário federal foi de R$ 52 bilhões, o esforço fiscal só permitiu pagar 65% do custo da dívida pública. Mantida essa política está claro que tanto Alckmin quanto Lula da Silva vão promover gigantesco ajuste nas contas públicas para elevarem ainda mais o superávit primário.



Ao examinarmos quem são os credores da dívida interna podemos entender porque o capital rentista não pode se opor ao governo Lula da Silva:

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• Banco nacionais e estrangeiros - 49% (títulos indexados a mais alta taxa de juros do mundo)

• Fundos de investimentos - 27%

• Fundos de pensão - 17%

• Empresas não financeiras - 6%

• Outros- 1%



Fonte: Boletim da Auditoria da Dívida n. 15 (outubro de 2006)

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Cabe observar que somente entre dezembro de 2005 e julho de 2006, a dívida interna cresceu de R$ 1,002 trilhão para R$ R$ 1,109 trilhão (11% ou R$ 107 bilhões em apenas 7 meses!). Considerando que os recursos do Estado estão direcionados para manter esse ciclo satânico, é compreensível o apoio do setor financeiro a um novo mandato para Lula da Silva.



A melhor síntese sobre o posicionamento do setor financeiro foi elaborada por Olavo Setúbal, o patriarca do grupo Itaú, fundador do Banco e Presidente do Conselho Administrativo do Itaúsa, holding que controla este banco:



Havia uma grande dúvida se o PT era um partido de esquerda, e o governo Lula acabou sendo um governo extremamente conservador... A visão era que o Lula iria levar o país para uma linha socialista. O sistema financeiro estava tensionado, mas, como ele [Lula] ficou conservador, agora está para ganhar novamente a eleição e o mercado está tranqüilo… Não tem diferença do ponto de vista do modelo econômico. Eu acho que a eleição do Lula ou do Alckmin é igual… Os dois são conservadores. Cada presidente tem suas prioridades, mas dentro do mesmo leque de premissas econômicas. Acho que o Lula vai conservar a premissa de superávit primário, de metas de inflação e tudo o mais. São evoluções que estão consolidadas no Brasil e serão mantidas por qualquer presidente. (Olavo Setúbal, entrevista para o jornal Folha de São Paulo em 13/08/2006).



Diferente do setor financeiro, o agronegócio parece estar dividido entre os dois candidatos com a base a favor do PSDB e os mega-projetos a favor do candidato do PT. Com efeito, o mapa dos votos no primeiro turno nos corredores do agronegócio foi um duro recado ao governo que terá de fazer novas concessões para o setor. Ao longo de todo o seu mandato, Lula da Silva teve como ministro Roberto Rodrigues, a mais expressiva liderança do setor, fez importantes concessões ao setor, como a liberação dos transgênicos, a destituição da direção da EMBRAPA antes favorável majoritariamente à pequena e média agricultura, o re-escalonamento da dívida do setor e a manutenção de elevadas isenções fiscais (Lei Kandir); contudo, a apreciação do Real em virtude da elevada taxa de juros e a concentração dos empréstimos oficiais (com juros subsidiados) em pouco mais de 15 grandes empreendimentos[6] levou a base do setor a ver o governo como um aliado pouco confiável. O próprio Rodrigues preferiu se afastar do ministério. Para reverter essa avaliação, o governo solicitou o governador eleito de Mato Grosso, Blairo Maggi, que intercedesse a favor da campanha de Lula da Silva junto as lideranças do setor. A ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, garantiu o financiamento de medidas para o agronegócio que totalizam R$ 4 bilhões para minorar os efeitos do câmbio negativo.



O setor exportador de commodities segue unido em torno do ministério de Furlan e, a despeito das críticas à apreciação do Real e da concorrência chinesa em manufaturas, obteve ganhos importantes como isenções tributárias e mecanismos favoráveis para as transações com a moeda estrangeira quando das exportações (podendo manter 30% da receita de exportações no exterior) e, ao menos o setor mais internacionalizado, tem sinalizado com manifestações de apoio a um novo mandato do petista.



Examinando a questão de modo mais global, é possível sustentar que as frações mais internacionalizadas seguem apoiando Lula da Silva, em especial no setor financeiro e no saqueio à natureza (reprimarização da economia). O instrumento de chantagem dos especuladores, o risco-país, segue baixando mesmo com as pesadas crises de legitimidade do governo Lula da Silva, caindo para níveis significativamente do que os de Cardoso.



Embora revestido de um discurso latino-americano, o engajamento do mandato de Lula da Silva na Iniciativa para a Integração da Infra-Estrutura Regional da América do Sul – a materialização do ALCA no território – segue consistente, como se depreende do projeto de parceira público-privada, dos empréstimos do BNDES para os mega-projetos, das concessões de vastos territórios na Amazônia, a permissão de mega-projetos de produção de celulose nas reservas aqüíferas do país (em especial a Guarani) e das concessões de áreas petrolíferas às corporações multinacionais.



Em suma, existem fortes elementos que corroboram que o imperialismo ainda vê em Lula da Silva um aliado útil, visto que, estando no governo, Lula da Silva é uma garantia de que o transformismo da CUT manterá a central dócil ao capital e às reformas que desmontam os direitos sociais. Tarso Genro, quando presidente do PT, pediu moderação nas críticas mais duras ao PT, lembrando que, sem este partido, as lutas de classes estariam muito mais aguçadas e abertas e que o PT é um fator importante para a própria governabilidade.



A afirmação de que a direita está apenas com Alckmin merece, pois, sérios reparos. Se examinarmos do ponto de vista dos setores dominantes, veremos que as principais frações estão com Lula da Silva. A leitura de que a direita está com Alckmin devido a atuação dos personagens sinistros da direita pode ocultar o movimento real dos setores dominantes, pois, embora seja certo que Bornhausen, Antônio Carlos Magalhães e outros personagens de igual quilate estão sustentando o discurso direitista tucano, não devemos confundir os personagens da direita com os setores dominantes, como Marx nos mostra magistralmente no 18 Brumário. Ademais, no varejo da política, os personagens sinistros tendem mais para Lula da Silva, a exemplo de Antonio Delfim Neto, Maluf, Dornelles, Collor de Mello, Sarney e família, Jader Barbalho, Geddel Vieira, entre outros, mas isso é o varejo.

2. Apesar da política econômica, o governo promoveu avanços na área social

A padrão de acumulação em curso requer a reprimarização do país e a sangria do ciclo satânico da dívida já indicado. Nos últimos anos o país regrediu em termos de questões muito relevantes para a esquerda, como o trabalho infantil[7] . O desemprego segue em padrões elevadíssimos e os novos empregos somente confirmam o padrão de acumulação por “despossessão” a que se refere David Harvey: os empregos
criados nos últimos dois anos são basicamente precários - 64% com rendimentos de até um salário mínimo e nenhum saldo positivo do emprego com rendimento acima de três salários mínimos[8].

Fonte: Reinaldo Gonçalves, 2006

O bolsa-família – um programa resultante da unificação de programas sociais do governo anterior destinado as famílias que possuem renda per capita inferior a R$ 120,00, destina de R$ 15,00 a R$ 91,00 por família, conforme a renda – é um programa de alívio à pobreza (Banco Mundial) que não altera a condição de miséria, servindo para manter os miseráveis vegetativamente vivos, fora do mundo do trabalho regulamentado, compreendendo tão somente repasses de cerca de R$ 8,3 bilhões para atender a 11,118 (milhões) de moradias (julho 06). Por não ser um direito social, presta-se a grossa manipulação política, nos mesmos moldes dos programas criados no México pelo PRI e seguidos pelo governo Fox (PAN): os governos sempre difundem que se perderem a eleição, o benefício será retirado, quase que obrigando os miseráveis a votar no governo, o que explica a reeleição de diversos governos na região. O corte de renda da focalização gera uma situação absurda e profundamente injusta, conforme reconhece o PNUD[9]: se em vez de R$ 120,00 o corte fosse R$ 125,00 o programa teria de atender a mais 1 milhão de famílias. Assim, o que poderia diferenciar esse programa dos de alívio à pobreza do Banco Mundial, a sua universalização como um direito da seguridade social, como preconizou corretamente Francisco de Oliveira, sequer foi esboçado pelo atual governo.

Educação.



Indicadores da CEPAL/ IUS-UNESCO, 2003 confirmam que o Brasil gasta apenas 3,8% do PIB. A UNESCO recomenda nunca menos de 6% e o PNE aprovado no parlamento determina a aplicação de 7% do PIB na educação pública. A exemplo de Cardoso que vetou o aumento das verbas educacionais, também Lula da Silva, a despeito de seu Programa de governo que prometia a retirada do veto, não retirou o veto de Cardoso à ampliação das verbas dos atuais 3,8% do PIB para 7%, conforme aprovado no Plano Nacional de Educação (PNE), o que permitiria bases econômicas para transformar a educação pública brasileira superando, após meio século de barbárie educacional, o apartheid educacional existente no país. A União aloca tão-somente o equivalente a 0,8% do PIB na educação pública.



Na educação básica compete a União suplementar as verbas dos estados e municípios, atualmente por meio do Fundef. A União vem se desobrigando de sua função suplementar em termos de financiamento ao ensino fundamental. A Emenda Constitucional no 14 abriu caminho para o afastamento da União de seu dever de assegurar a educação básica a todos. Somente a não correção do valor do FUNDEF provocou um calote da União de R$ 12,8 bilhões no período 1998-2002 (Cardoso). Lula da Silva logrou o mesmo calote em apenas 3 anos (2003-2005). Embora tenha corrigido o valor do per capita em 10% (2005/2006), o ajuste que não foi suficiente para repor as sucessivas burlas ao valor do per capita. A redução nos gastos é de tal ordem que, com o per capita adotado, apenas 2 estados receberão suplementação da União.



Por isso não pode causar surpresa o aumento do número de jovens fora da escola:

Fonte: Reinaldo Gonçalves, 2006



José Marcelino Rezende Pinto assinala que essa escola contribui para excluir o negro e o pobre. Assim é que, segundo os dados do Saeb (Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica) de 2001, os negros que representavam 11,3% dos participantes do exame na 4ª série do Ensino Fundamental caíam para 6,4% na 3ª Série do Ensino Médio, ou seja, ocorre um branqueamento das turmas ao longo da trajetória escolar. A política de cotas do governo Federal simplesmente ignora essa questão, mantendo a lógica da focalização no sistema de ingresso, sem sequer arranhar o problema disjunção entre a educação básica e a superior e, pior, reservando as piores instituições para os negros (Prouni).

Atualmente, 12% da população brasileira é analfabeta e existem 37 milhões de brasileiros acima de 15 anos e com menos de 4 anos de escolaridade. Reunindo todas as experiências de educação de jovens, o número não ultrapassa 2,5 milhões, ou seja, sequer 10% dos cidadãos pouco ou nada escolarizados têm esse direito (precariamente) atendido. Cabe lembrar que somente no ocaso do primeiro mandato Lula da Silva enviou ao parlamento a proposta de um novo fundo (FUNDEB) que se viesse lastreado por recursos federais significativos poderia alterar esse estado de coisas. Mas também aqui é possível afirmar que com o superávit primário acima de 4,5% do PIB nada mudará. Caso a verba prevista para o primeiro ano de vigência do novo Fundo seja realmente de R$ 1,7 bilhão, o per capita teria de ser diminuído.



A principal peça publicitária do governo em matéria educacional, o PROUNI, parte de uma falsidade: a afirmação de que sua motivação foi a regulamentação da “filantropia”. Inicialmente, cabe lembrar que a CF Federal não determina que o Estado assegure isenções fiscais para as Privadas confessionais, filantrópicas e comunitárias, apenas autoriza as referidas isenções. Por que, no lugar de institucionalizar essas isenções que não são compulsórias, o governo simplesmente não as extinguiu (dada a “pilantropia”) já que, para isso, seria necessária apenas uma lei ordinária? Ou, uma hipótese mais conciliadora, por que o governo não se limitou a regulamentar a filantropia de modo mais rigoroso?



Ao contrário do discurso oficial, o PROUNI não regulamenta apenas a contrapartida das instituições às quais a Constituição permitiu (e não determinou) a isenção fiscal, como as 400 instituições ditas filantrópicas, comunitárias e confessionais, mas, também, as 1450 instituições empresariais (com fins lucrativos). O PROUNI incluiu, de contrabando na legislação, algo que a Carta de 1988 não admitiu: o repasse de verbas públicas para as instituições empresariais. A contrapartida às isenções tributárias que podem corresponder a 25% da arrecadação das empresas educacionais inicialmente foi de 25% das vagas na forma de bolsas integrais, quando editou a medida provisória este percentual baixou para 10% e, finalmente, quando a lei foi votada as bolsas integrais despencaram para 4,25%!



O programa de crédito aos estudantes na forma de empréstimos (FIES) vem recebendo forte incremento por meio da alocação crescente de verbas públicas no programa que beneficia as privadas. Recentemente, o governo resolveu subsidiar os juros pagos pelos estudantes em detrimento de ampliar as verbas das instituições públicas. As mudanças incluem juro zero para parte dos alunos beneficiados pelo programa de Financiamento Estudantil (Fies), nas palavras de um dirigente empresarial da educação: “Não vou discutir o momento em que isso foi divulgado, para não ganhar caráter eleitoral. Do ponto de vista da educação, é uma medida boa, que atende a uma reivindicação antiga do segmento”, afirma o presidente do Sindicato das Entidades Mantenedoras de Estabelecimentos de Ensino Superior do Estado de São Paulo (Semesp), Hermes Figueiredo, sobre a mudança no Fies.



No caso das universidades federais o padrão de financiamento não foi alterado, o projeto de expansão prevê recursos irrisórios, os concursos seguem abaixo das aposentadorias impulsionadas por Cardoso e Lula da Silva em suas contra-reformas da previdência, tornando as novas universidades e campi uma vaga promessa para o futuro. Caso se confirme o aumento da Desvinculação de Receitas da União de 20% para 30% o aprofundamento da privatização estará perigosamente no horizonte.



Questão agrária



A reforma agrária (associada a uma nova política agrária) não avançou no governo Lula. De início, houve esperança na concretização da aspirada reforma agrária. Foi encomendada uma proposta de Plano Nacional de Reforma Agrária (PNRA). Seu objetivo era desencadear o tão necessário processo de mudança estrutural em favor das populações vulneráveis ao modelo vigente e reverter o processo de concentração fundiária. Conforme análise de dirigentes do MST as expectativas de que Lula da Silva alteraria o padrão de reforma motivaram as lutas pela terra. De fato, o número de famílias acampadas subiu de 60 para 120 mil apenas no primeiro ano de governo Lula da Silva. O plano de reforma agrária, construído sob a coordenação de Plínio de Arruda Sampaio, previa como meta emergencial o assentamento de um milhão de famílias em 4 anos de governo (dos cerca de 5 milhões de famílias sem terra). Lula da Silva arbitrou em apenas 400 mil famílias as metas de seu governo. Apesar das evidências em contrário, o governo afirma que assentou 230 mil famílias! Contudo, examinando a situação no final de 2005, o MST constata que 100 mil famílias ainda estão sob a lona, aguardando o acesso a terra (algumas há seis anos). O geógrafo Bernardo Mançano (UNESP), com base nas informações do Banco de Dados de Luta pela Terra, comprova que nos três anos do governo Lula apenas 25% das famílias assentadas o foram em terras desapropriadas, o restante foi redistribuição de assentamentos em áreas públicas. O latifúndio permaneceu intocado (em virtude de sua aliança com o agronegócio).



3. Desigualdade social

Se o padrão de renda dos trabalhadores sequer recupera os valores da história recente e o desemprego segue em níveis elevadíssimos, como pode ter havido, de fato, redução da desigualdade social?


Fonte: Reinaldo Gonçalves, 2006

Existem vários problemas metodológicos nas pesquisas sobre a redução da desigualdade de renda, referentes: à composição do índice de GINI (que possui significados diferentes na América Latina, África e Ásia, algo que por definição não deveria ocorrer); às pesquisas do PNAD/IBGE não podem aferir a renda real dos ricos (que estão remetendo vultosas somas ao exterior por meios “informais”) e que, portanto, não podem ser declaradas no censo; ao corte do número de pobres e miseráveis que, por estar relacionado ao valor do dólar, flutua com a variação cambial, reduzindo o número de pobres e miseráveis com a apreciação da moeda nacional, e ao próprio tratamento matemático dos dados estatísticos, conforme análise de Cláudio Considera (O Globo, 6/10/06, p.7). A comparação com o governo Cardoso, como já sublinhado neste texto, não é explicativa da situação social. Está claro que a redução do número de indigentes do período Cardoso (7,5 milhões em função da bolha do plano Real) ou de Lula da Silva (2,65 milhões) não altera a questão, pois, a linha que separa os miseráveis e os pobres dos demais segmentos da população é fluída e arbitrária como vimos na questão do valor para uma família ser habilitada ao programa bolsa-família em que míseros R$ 5,00 poderia incluir mais 1 milhão de famílias no programa! A menor redução do número de miseráveis no governo Lula da Silva quando comparada à de Cardoso não significa que o neoliberalismo de Cardoso tenha sido melhor do que o de Lula da Silva. As flutuações em torno da linha da miséria ou da pobreza não significam o fim da miséria como, aliás, a existência do programa bolsa-família o comprova.

4. Política externa independente

Muitos dos mais ásperos críticos do governo de Lula da Silva sustentam que existe uma ilha programática em seu governo: a política externa. Entre os indicadores que sustentam essa avaliação, são citados: o posicionamento no G-21, a ajuda a Chaves no contexto do golpe contra o seu governo, a autonomia frente aos EUA e o afastamento do país do ALCA.

Com efeito, a afirmação do G-21, por ocasião da Reunião da OMC em Cancún (2003), foi considerada um novo marco da política externa mundial. A grande mídia atribuiu o impasse da Reunião à posição do G-21, liderado pela Índia e Brasil – que teria ressuscitado o espírito de (um idealizado) Bandung e de um não menos idealizado “terceiro-mundismo”, enchendo de esperanças intelectuais e analistas pouco atentos aos verdadeiros objetivos da política de comércio externo brasileira, centrada no agronegócio e na reprimarização.



O G-21 reuniu aliados muito estreitos dos EUA, como Chile e México, todos insatisfeitos com a proposta conjunta dos EUA e UE – que carecia de proposições concretas para a agricultura. Mas é preciso examinar com mais vagar as vozes que puderam externar o seu descontentamento: o agribusiness ou a agricultura camponesa?



É certo que a tríade pretendia cindir os países “em desenvolvimento” em “subdesenvolvidos” e “miseráveis”, impondo um retrocesso em relação ao conceito de “Rodada do Desenvolvimento” anunciada em Doha. Mas o G-21 realmente significa uma oposição aos interesses das corporações? Durante a Conferência o G-21 foi a voz d´ África cujo comércio exterior, excluindo a África do Sul, representa menos de 1% do comércio mundial, equivalendo a pequena Finlândia, ou foi a pauta dos países de grupo de Cairns (os países de fora da tríade que lideram o agronegócio)?



Como observaram Walden Bello & Aileen Kwa (2004), a tática dos EUA frente ao G-21 mudou. Concluindo que grandes reuniões fortaleceram os países pobres, em especial quando acompanhadas de enormes manifestações, os EUA e a UE apostaram no grupo das “5 partes interessadas” (P-5) para fazer um acerto pelo alto em nome dos setores internacionalizados dos EUA, da UE, da Austrália, do Brasil e da Índia. Com essa iniciativa, os EUA e a UE venceram uma batalha extremamente importante, após duas derrotas (Seattle e Cancun), recolocando nos trilhos os TLC, objetivando avanços na redução das tarifas para produtos não agrícolas (NAMA, em sua sigla em inglês).



Ao inserir o Brasil e a Índia, em abril de 2004, no seleto grupo das “5 partes interessadas” (P-5) – sem a presença dos países pobres (cerca de 100 países estavam ausentes da reunião do Conselho Geral) e dos alterglobalistas –, a reunião em Genebra garantiu a assinatura de um acordo correspondente a uma Declaração ministerial (porém sem Conferência Ministerial), que expressava o ponto de vista do agribusiness, mas não da pequena agricultura e muito menos da agricultura camponesa.



Zoellick, ex-secretário de comércio estadunidense, regressou aos EUA eufórico, afirmando que o acordo foi uma arrasadora vitória das empresas estadunidenses e que este era apenas o primeiro passo para a abolição das tarifas alfandegárias aos produtos industrializados do país. Nas palavras da Associação Nacional de Fabricantes de Estados Unidos, "este é um grande logro e uma grande vitória para a OMC, os Estados Unidos e a economia mundial” (Bello & Kwa, 2004). O agronegócio brasileiro venceu, afinal obteve a promessa da redução gradual dos subsídios dos EUA e da UE; contudo, a indústria, os serviços, e a propriedade intelectual dos países capitalistas dependentes seguirão estrangulados pelo poderio das corporações. Nos termos de Pascoal Lamy, diretor-geral da OMC, o ganho agrícola brasileiro não será gratuito, o Brasil terá de oferecer maior acesso a bens industriais e serviços para obter contrapartida: “É uma negociação. A UE, os EUA, o Japão e a Coréia do Sul terão de convencer seus produtores rurais a aceitar muitos cortes, mas precisam convencê-los de que é um jogo em que todos ganham.”[10]



A reação dos países pobres foi fortalecer o G-33 – que persiste na defesa de salvaguardas especiais para proteger a pequena agricultura – e o G-90 – criado com forte protagonismo africano organizado contra os temas de Singapura. Em suma, o que esses países anunciam e denunciam é que os interesses do agronegócio não são coincidentes com os da quase totalidade de 1,3 bilhão de pequenos agricultores e camponeses dos países capitalistas dependentes, como dramaticamente revela o caso dos plantadores de algodão da África. As distorções da Rodada Uruguai seguem intactas.



Por ocasião do golpe de Estado contra Aristide, EUA e França se viram diante da possibilidade de terem de enfrentar mais uma frente militar, no Haiti, uma considerada hipótese negativa, em virtude do agravamento da situação no Iraque e no Afeganistão. Daí, novamente, os “capacetes azuis” foram vistos como uma alternativa. Seja porque viu na ocupação do Haiti uma oportunidade para pleitear uma vaga no Conselho de Segurança da ONU (vista como uma oportunidade do país aumentar a sua influência no mundo e, quiçá, de fazer bons negócios), seja, menos crível, por acreditar no “humanismo militar” difundido por Clinton (na antiga Iugoslávia), o fato é que as forças armadas brasileiras estão sustentando um regime que colocou no cárcere milhares de democratas, como a cantora Sò Anne (Irmã Anne), encarcerada na Penitenciária de Pétionville, Haiti, desde 24 de maio de 2004, fazem vista grossa às perseguições e assassinatos da polícia nacional, utilizada como braço armado do atual regime contra todos os suspeitos de apoiarem Aristide e, recentemente, atuaram diretamente na região miserável de Cité Soleil, em Porto Príncipe, provocando morte de crianças e mulheres desarmadas. Longe de restabelecer a democracia, as eleições presidenciais foram adiadas por três vezes, fortalecendo o regime de intervenção estadunidense liderado por Latortue e apoiado pelas “forças de paz”. A situação segue instável, a miséria campeia mas o esforço de Lula da Silva de difundir a idéia de um humanismo militar segue com a promoção de jogos de futebol e o envio de bandas de hip-hop ao país (gerando também nesse campo divisões no movimento nacional, visto que parte das bandas considerou inaceitável cumprir esse papel).

Em relação ao ALCA, cabe registrar que as lutas continentais foram cruciais para impedir a sua efetivação, mas Lula da Silva sempre manteve uma postura ambígua. Em 2003, contrariando as expectativas dos movimentos sociais latino-americanos Lula da Silva assumiu o calendário que previa o ALCA em 2005. Após uma década de resistências, em Mar del Plata, grandes protestos foram realizados, impondo o esgotamento das possibilidades do acordo ser efetivado no prazo previsto. Mas não foram apenas os protestos que frearam o ALCA, também importantes setores econômicos nos EUA não queriam o ALCA ou nenhum outro grande acordo que envolva a redução de subsídios e proteção aos seus mercados. Ate mesmo o CAFTA, um acordo em tudo mais favorável aos EUA do que o ALCA foi aprovado no parlamento estadunidense por um único voto de diferença.

No plano político não é secundário a postura de Lula da Silva frente a Bush.. Após ser alvo de fortes protestos em Mar del Plata, inclusive com falas duras de Chaves e Kirchner contra Bush, Lula da Silva o acolheu no dia seguinte em seu espaço privado, oferecendo um churrasco, promovendo diversas entrevistas falando da colaboração entre os dois países etc. Já no início do governo, a diplomacia deixou de apoiar Cuba na A Comissão de Direitos Humanos da ONU que aprovou uma emenda latino-americana na qual se insta o governo de Cuba a colaborar com o Alto Comissariado para os Direitos Humanos. A resolução adotada, a duodécima sobre Cuba aprovada na Comissão, recebeu 24 votos a favor – dois a mais que o ano passado -, 20 contra, enquanto que 9 países preferiram abster-se (entre eles o Brasil)·.

5. Recuperação do Estado

Após o plano diretor da reforma do Estado, a medida sistêmica mais importante para diluir o público e o privado foi a lei de PPP que está na raiz do IIRSA. A concessão de terras amazônicas, de áreas petrolíferas e de bacias aqüíferas não demonstra uma especial preocupação com a soberania do país e com o próprio Estado. O governo seguir repassando vultosos repasses para ONG e tem subsidiado fortemente a educação privada (FIES, PROUNI). Em que pese a realização de concursos em alguns setores do Estado, a sua dimensão social segue espremida pelo superávit primário. As grandes empresas públicas como a Petrobrás seguem sendo desnacionalizadas em virtude do crescente controle acionário por parte de corporações e investidoras estrangeiras.

Um breve exame da execução orçamentária de 2005 atesta o pouco que é destinado a área social e de investimentos no mundo do trabalho.

(divulgado no Boletim da Auditoria da Dívida n. 15, outubro de 2006)



6. Diálogo com os movimentos sociais

O diálogo com os movimentos não tem respeitado a autonomia diante do governo, a relação esperada é de subserviência e lealdade. Poucas foram as entidades que lograram diálogo com o governo sem perder a autonomia. O mais importante desses movimentos foi o MST que, lastreado em forte mobilização das bases (marchas, ocupações, atos em bancos etc), logrou abrir espaços de diálogo sem perder a autonomia; contudo, como se depreende da situação da reforma agrária e da política para a agricultura camponesa, esses diálogos não modificaram a posição do governo frente ao agronegócio e tampouco abriu perspectivas favoráveis para a reforma agrária. A principal Central sindical brasileira, a CUT, não manteve uma relação de diálogo, mas de simbiose com o governo: inúmeros quadros da CUT migraram para o governo e em um momento de crise o próprio presidente da Central saiu diretamente deste cargo para o de ministro do trabalho, objetivando reunir uma base de apoio que opere a favor do bloco de poder por meio do transformismo. A situação de colaboração foi evidente no apoio às contra-reformas da previdência, trabalhista e sindical (estas últimas não chegaram a termo em virtude da crise no governo). Vale lembrar que essas contra-reformas no mundo do trabalho objetivavam implementar uma contra-reforma sindical que hipertrofiaria o andar de cima da burocracia sindical (as confederações e federações) em detrimento dos sindicatos de base e uma contra-reforma trabalhista que sobrepõe o “negociado” ao legislado.

O transformismo em curso na CUT está levando a uma homogeneização política da Central que teve início antes do governo Lula da Silva, mas que se intensificou no último quadriênio. Em síntese, é possível indicar as seguintes mudanças estruturais na Central:

a) As mudanças na sistemática de escolha de delegados encolheram a participação da base e extinguiram a participação das oposições sindicais, ampliando a participação das confederações.

b) Já no governo Cardoso a CUT apoiou a primeira geração da reforma da previdência por meio de declarações do ex-presidente Vicente Paulo da Silva (Vicentinho). Na mesma época destacados ex-dirigentes já estavam empenhados na criação de fundos de pensão, a exemplo de Luiz Gushiguen que oferecia consultoria para a criação de fundos de pensão.

c) Já na condição de presidente da República, por duas vezes Lula da Silva interferiu na escolha do novo presidente da CUT.

1. 8o Congresso, 2004 – escolha de Luis Marinho em detrimento de J. Felício (Secretario Geral)
2. 9o Congresso (2006)- o eletricitário Arthur Henrique em detrimento de J. Felício (relações internacionais, cargo honorífico).

d) Exclusão das correntes de esquerda da direção da Central no 9o Congresso.

É a sedimentação, no interior da Articulação, da vitória da concepção social-liberal frente a social-democrata (representada por João Felício).



Assim, essa propalada abertura para o diálogo sempre foi feita tendo como pressuposto a cooptação. Os movimentos que lograram grande mobilização e radicalização de suas bases puderam se manter autônomas frente ao governo, as que se mantiveram autônomas e não aceitaram negociar os termos da agenda neoliberal, mas que não têm como característica ações massivas, como o Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior, passam a ter “entidades de carimbo” criadas com o ativo o apoio do governo como concorrentes. No caso do ANDES-SN, uma chapa que foi derrotada nas urnas foi reconhecida como representação sindical dos docentes nas comissões do MEC e do Ministério do Planejamento, obtendo o reconhecimento governamental em flagrante desrespeito ao princípio da OIT que veda a ingerência governamental nas entidades de organização dos trabalhadores.



À guisa de conclusão



Essas considerações preliminares objetivaram demonstrar que os pontos elencados para justificar o apoio a um novo mandato a Lula da Silva não são livres de questionamentos, ao contrário, ao reivindicarem um novo mandato para o atual governo baseado nos pontos aqui analisados, os movimentos podem estar acelerando ainda mais uma situação de derrota, podendo, contra a sua intenção, estar tornando ainda mais difícil a reconstrução do pólo socialista, antiimperialista e classista.

Certamente existem nuances, aspectos a serem explorados na argumentação que poderiam indicar outras leituras sobre os referidos itens, entretanto o texto tem a expectativa de ter oferecido elementos para sugerir a fragilidade dos argumentos que justificam um novo mandato de Lula da Silva a partir da reivindicação desses pontos.

A proposição a favor do apoio a Lula da Silva a partir de algumas pré-condições, um posicionamento em si mesmo correto e usual nessas situações, não pode deixar de considerar a profundidade do enraizamento do governo Lula da Silva com o bloco de poder que opera o padrão de acumulação por despossessão em curso, sob o risco de enviar para os protagonistas das lutas uma mensagem ingênua, pouco factível e irrealista. Um posicionamento nesses moldes teria de vir junto com uma intensa mobilização social para forçar, de fato, a incorporação das pré-condições na agenda governamental, situação ainda pouco factível, não recomendando, portanto, essa tática.

Como a presente leitura não pretende ser uma verdade absoluta é preciso respeitar o posicionamento autônomo dos movimentos em favor do voto em Lula da Silva como a alternativa ‘menos pior´, mas o imprescindível respeito a avaliação política deve vir acompanhada do debate político verdadeiro, sem o metro das políticas neoliberais (como na comparação do governo atual e com o anterior) e sem a disjunção do econômico com o político.

Urge fortalecer as iniciativas que possam assegurar espaços de convergência e diálogo entre as distintas concepções táticas sobre as lutas socialistas. É um erro fechar esses espaços, pois, se as considerações aqui expostas sobre a conjuntura econômica, política e social têm alguma validade, é previsível que as contra-reformas irão se intensificar com Lula da Silva ou com Alckmin. E somente lutas massivas podem colocar os trabalhadores como protagonistas principais da política.

Como apontou Gramsci, o transformismo sempre é um severo golpe contra as lutas emancipatórias. O futuro do movimento está em sua autonomia frente ao capital e suas formas de dominação, como o Estado, os governos e os partidos aprisionados pelas engrenagens do poder dominante. Nesse contexto, a recusa dos termos de uma falsa polarização é um posicionamento positivo que coloca no debate político a necessidade de um passo adiante na organização autônoma da classe.



[1] . Ellen M. Wood. 2003 Democracia contra capitalismo: a renovação do materialismo histórico. SP: Boitempo).



[2] . Palocci reflete compromisso do país com boas políticas, diz Snow (Folha on Line, 02/8/05). Risco Brasil cai para menor patamar em cinco meses (Folha Online, 05/08/2005). "Até pouco depois do meio-dia (desta segunda-feira), quando Snow decidiu sair em apoio explícito ao governo, o céu parecia derrubar-se sobre Lula e sua equipe. A oposição (...) parecia empenhada em dar uma estocada definitiva contra Lula. Mas o governo dos Estados Unidos optou por se manter à margem de uma aventura onde tem pouco a ganhar e bastante a perder" (Clarin, 2/8/05).

[3] . Setúbal defende punições e acordo. Folha Dinheiro, 28/08/05.

[4] . Guilherme Barros. Governo e empresários se unem contra crise (Folha on Line, 31/07/2005).

[5] Druck e Luís Filgueiras, perguntas que não podem ser caladas. Mimeo, 2006.

[6] . Conforme o MST, o Banco do Brasil fez propaganda nos jornais e revistas, mostrando que concedeu um volume de crédito de mais de 5 bilhões de reais para aquelas dez empresas transnacionais que controlam a agricultura e para algumas poucas empresas transnacionais da celulose. Ou seja, menos de 15 empresas receberam o mesmo volume dos recursos que foram destinados para 4 milhões de agricultores familiares

[7] . Depois de 14 anos de queda, em 2005, houve aumento de 11% no número de crianças entre 5 e 14 anos que trabalham, segundo o IBGE. Rio de Janeiro - Depois de cinco anos em queda, voltou a crescer em 2005 o número de crianças com idade entre 5 e 14 anos que trabalham. A alta em relação a 2004 foi de 10,3% e a maioria dos pequenos trabalhadores estava no setor agrícola, especialmente na região Sul do país. Os dados são da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) 2005 divulgada hoje (15/9/06) pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) (http://www.agenciabrasil.gov.br/noticias/2006/09/15/materia.2006-09-15.9284659159/view).

[8] . Druck e Filgueiras, 2006, op.cit.

[9] . http://www.pnud.org.br/pobreza_desigualdade/reportagens/index.php?id01=2237&lay=pde

[10] . Rossi, C. Ganho agrícola não será gratuito, diz OMC. FSP, 24/11/05, Caderno B, p. 14.






Reggae e Socialismo: http://www.orkut.com/Community.aspx?cmm=12329912

Voto Helo?sa Helena - Sergipe: http://www.orkut.com/Community.aspx?cmm=12329912

Fotolog: http://ubbibr.fotolog.com/mgabriel/

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