10 dezembro, 2007

de Mauro Iasi, sobre programa democrático popular

Grifos e comentários do camrada Danilo


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[sobre resoluções do 4º encontro nacional do PT]
"(...) É neste ponto das resoluções que se apresentam certos aspectos que servirão de alicerce para as formulações estratégicas que se seguirão. As resoluções afirmam que a burguesia e o Estado brasileiro não teriam "conseguido resolver as contradições fundamentais do desenvolvimento do conjunto da sociedade"(...). Entretanto, concluem as resoluções:
A superação definitiva da exploração e da opressão sobre o povo brasileiro não se dará com simples reformas superficiais e paliativas, mas sim com a ruptura radical contra a ordem burguesa e a construção de uma sociedade sem classes, igualitária, que, por meio dasocialização dos meios de produção, vise a abundância material para atender às necessidades materiais, sociais e culturais de todos e de cada um de seus membros, ou seja, a construção do socialismo.
Constatando mais uma vez que não haveria condições imediatas para este salto, por não estar "colocada para o conjunto da classe trabalhadora a consciência dessa necessidade", o texto afirma que o desenvolvimento do capitalismo, das classes e da luta entre estas permitiria já um "acúmulo de forças" no sentido de ampliar os espaços democráticos e as conquistas populares que seriam uma espécie de "ponte" e de caminhos que poderiam conduzir a esta meta estratégica socialista.
Notem que se retoma aqui o conceito de "acúmulo de forças" como tarefa imediata, mas enfatiza-se ainda o objetivo estratégico socialista. Outro aspecto é que o texto afirma uma distância entre a percepção consciente da necessidade deste objetivo estratégico socialista por parte daqueles que agora compõem o partido e a consciência do "conjunto da classe".
Este elemento abre a possibilidade de uma reflexão sobre um dos aspectos do movimento da consciência. Bordieu faz uma curiosa distinção entre aquilo que é "dizível" ou indizível no campo político. Para ele:
A fronteira entre o que é polticamente dizível ou indizível, pensável ou impensável para uma classe de profanos determina-se na relação entre o interesse que exprime esta classe e a capacidade de expressão dessses interesses que sua posição nas relações de produção cultural, e por este modo, política, lhe assegura.
Os termos "classes profanas" são utilizados por Bordieu para identificar a diferença entre aqueles "profissionais" que teriam o monopólio do dizer político e aqueles "cidadãos comuns, reduzidos ao estatuto de consumidores" deste bem simbólico. O que nos chama a atenção é que a classe que se moveu concretamente em sua ação prática contra as manifestações da ordem do capital, tornando possível que esta ação se expresse em um partido que agora formula suas estratégias, separa-se agora de seus formuladores que chegam a necessidades que ela própria ainda não coloca para si. São duas as possibilidades de interpretação deste fato. Primeiro que é verdade que, embora mobilizada pelas lutas sociais e mesmo chegando à constatação da necessidade da luta e da organização política, esta classe não alcança imediatamente a necessidade de uma ruptura revolucionária, da mesma forma que o setor de vanguarda tem como tarefa essencial produzir as condições em que seja possível uma correlação de forças mais favorável para ações mais decisisvas nesse sentido. No entanto, a consciência da classe está, neste momento, livre da práxis, se moldando por aquilo que afirma sua expressão política, e pode tomar como sua a consciência deste setor.
A poderosa identidade que está se formando processa-se em parte por aquilo que a classe projeta na liderança, ou, no caso, na orgainzação que ocupa seu lugar, mas esse é o mesmo processo pelo qual esta classe passa a assumir como sua a consciência de sua vanguarda. Há uma homologia clara entre o processo que aqui se verifica e o mecanismo freudo/kleiniano de identidade projetiva/introjetiva. Ao projetar seu ideal de Ego para o objeto externo, abre-se a possibiliade de substituir este ideal pelo objeto[no caso, esse objeto externo seria o que representa politicamete o PT para classe, a identificação da classe com sua representação, seu produto. O ponto central do processo de liderança é produzir uma identificação projetiva (o grupo se vê nas ações do líder/ organização)/ introjetiva (introduz através desa nova relação um novo valor em sua consciência). Na confluência e emergência da luta de classes no fim dos 70 e início dos 80, o setor da classe que inicou o projteo do PT assumiu esse "processo de liderança", ao representar nas lutas travadas naquele momento o papel de líder(esse conceito de líder utilizado por Mauro Iasi é tomado da construção de Freud na tentatvade entender a formação de consciência dos grupos, e dos individuos dentro destes, sendo o líder o ponto de identificação comum de seus mebros, convertendo-o em um ideal de ego comum, partilhado entre todos)] , o que permite, aliás, uma identidade horizontal no grupo que foi analisado. Desse modo, quando a liderança identifica esta ausência de consciência da necessidade de ruptura socialista na consciência imediata do "conjunto" da classe, de certa forma a vanguarda cria e reproduz esta ausência na consciência que ajuda a formar.
Em outras palavras, molda a classe perpetuando esta ausência. A "fronteira do dizível e não dizível", nos termos de Bordieu, não existe como dado empírico, mas é produto da relação entre os interesses e a forma simbólica em que são expressos. É possível supor que, pelo mecanismo descrito, este universo simbólico volte a fonte dos interesses e o molde numa expressão que transforma em "silêncio" parte dos potenciais interesses originais.
(...)Quando encontramos nas resoluções que é necessário criar um partido político, de trabalhadores, anticapitalista e com um horizonte socialista, podemos supor que estes valores não estavam imediatamente "colocados para a consciência do conjunto da classe trabalhadora". Mas o fato de o serem afirmados pela liderança que se apropria da força do grupo, no caso de uma organização que expressa a força de uma classe, faz com que esta classe assuma como seus estes valores. Este fato já é o resultado de uma "concorrência", de fato um equilíbrio no interior do qual a liderança conquistou as consciências dos trabalhadores contra a influência do senso comum, da força inercial das relações dominantes convertidas em idéias.
Na medida em que esta vanguarda constrói o "acúmulo de forças" pela constatação objetiva da ausência para o conjunto da classe da consciência da necessidade da ruptura socialista, impõe este elemento à consciência da classe que se forma. A questão é: por que alguns dos elementos estão colocados, sendo, portanto, dizíveis para classe ou em seu nome, e outros não? [interessante, que o discurso do campo majoriatário(APS, MES) e de outros setores é que o programa de ruptura não dialoga como nível de consciência da classe, e o programa democrático popular se rebaixa para fazer elevar o nível de consciência, e impõe como tarefa permanente o acúmulo de forças, levando a um taticismo absurdo. Acabam criando ilusões na consciência da classe, como temos formulado.]
Evidente que a ação da vanguarda não é o único fator, existe de fato uma correlação de forças, um grau de organização, um poder do inimigo materializado em recursos e instrumentos de domínio que podem e devem indicar objetivamente o ritmo da construção das táticas e da estratégia; porém, como se verá a seguir, a política do "acúmulo de forças" acabará por moldar um comportamento de classe para ações táticas cada vez mais distantes do objetivo estratégico. No entanto, isto ainda não estava colocado nesse momento, a não ser como germe em desenvolvimento. Naquele instante, o núcleo essencial da estratégia, a meta socialista e a necesidade de uma ruptura ainda são afirmados, mesmo constatando que não é "pensável" pelo conjunto do bloco social que o partido representa. Veremos que na seqüência o campo do "não dizível" vai crescer e roubar espaço da substância estratégia da proposta. Em um primeiro momento, trata-se de conjuntura e uma correlação de forças que não permitem fizar para a classe imediatamente o objetivo, depois, tratar-se-á de moldar o propósito pelos limites do "pensável"."

Do Livro "As metamorfoses da consciência de classe - O PT entre a negação e o consetimento". págs 398 a 402.

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