25 dezembro, 2007

O Governo Lula e a crise institucional da UFBA

Luiz Filgueiras*


Tempos estranhos... e difíceis. O artigo do jornalista/professor e ex-deputado do PT Emiliano José, publicado neste jornal no últimodia 10 de dezembro, expressa de forma paradigmática os novos tempos.

No afã de fazer a defesa da atual administração da UFBA, em particular do Reitor Naomar Almeida, inicia a sua argumentação fazendo a defesa da política educacional do Governo Lula. Em
particular, defende o uso de verba pública para reforçar e sustentar o ensino privado (PROUNI) e a "adesão" das universidades públicas ao REUNI – com base numa série de números virtuais referentes a este programa e sem nenhuma garantia do volume de recursos que será destinado às universidades.

Alguns dias antes, neste mesmo jornal, o professor Aurélio Lacerda, respondendo à crítica do Presidente Estadual do PT ao pedido do Reitor de reintegração de posse da Reitoria ocupada pelos estudantes - que possibilitou a entrada da Polícia Federal na UFBA - , finaliza o seu artigo (assinado na qualidade de Chefe de Gabinete do Reitor) com a seguinte afirmação, dirigida ao Presidente do PT: "... parece que o Governo Lula é mais nosso do que vosso".

Essas duas manifestações são apenas a ponta do iceberg de um processo bem mais profundo e que vem se desenrolando desde o início do Governo Lula. Na verdade, trata-se de um fenômeno de dupla natureza. De um lado, verificou-se uma operação de transformismo político nunca antes vista na história brasileira – com a adesão desse governo e do PT, no início de forma envergonhada e depois de forma explícita, ao ideário dos antigos adversários situados à direita do espectro político (PFL/DEM e PSDB). Daí o predomínio atual da "pequena política", a ausência do debate de grandes projetos e a "fulanização" dos processos políticos que ora assistimos (Renan Calheiros et carteva). Muito recentemente, o Presidente Lula, a propósito do debate acerca da CPMF, sintetizou esse fenômeno de forma bastante feliz, ao qualificar a si próprio como uma "metamorfose ambulante".

De outro lado, o Governo Lula e o PT reafirmaram todos os velhos métodos e vícios de se fazer política, amplamente praticados por seus (ex) adversários: fisiologismo, nepotismo, empreguismo, barganhas inconfessáveis com o Congresso Nacional através das famigeradas emendas parlamentares individuais e "caixa dois". A novidade aqui foi à construção de um amálgama entre governo, partido, sindicato e instituições do Estado que são juridicamente autônomas, como é o caso das universidades públicas – construindo-se uma verdadeira correia de transmissão, hierarquizada de cima para baixo.

No dia a dia das instituições esse processo se expressa num permanente estado de "ordem unida": tudo que vier do Governo Lula tem que ser aceito e defendido com "unhas e dentes", mesmo que se atropelem as instâncias democráticas, os tempos e ritos normais de tramitação das matérias, o debate profundo do conteúdo das propostas e o direito da crítica. Essa é a razão mais profunda da atual crise institucional da UFBA, que se expressa nos seguintes pontos mais imediatos: 1- A aprovação do REUNI sem nenhuma discussão, numa reunião completamente tumultuada, que não respeitou regras básicas da tradição e do regimento do Conselho Universitário da Instituição, levando dez Diretores de Faculdades e Institutos a denunciarem a sua ilegalidade. 2- O pedido de reintegração de posse da Reitoria, que possibilitou, de forma inédita nos 51 anos de existência da UFBA, a entrada da Polícia Federal no campus universitário, com atos de violência contra os estudantes. 3- E, mais recentemente, a prisão da Procuradora Geral da UFBA pela polícia federal, também um fato inédito, na denominada operação "Jaleco Branco" – referente a crimes contra órgãos públicos, através de fraude em licitações. Nesses três episódios, o comportamento da administração da UFBA foi lamentável, para dizer o mínimo.

Afirmar que esse processo se configura em uma crise de transformação – como quer o jornalista/professor -, apoiando-se indevidamente em Albert Hirschman, ou acusar os críticos da política educacional do Governo Lula, de forma grosseira e contra todas as evidências, de serem contra o aumento de vagas nas universidades públicas e os cursos noturnos, não contribui para o debate e partidariza, mais uma vez, um tema que diz respeito ao futuro da universidade pública; em especial, a qualidade do ensino, da pesquisa e da extensão.

Por fim, tentar rotular as divergências colocando de um lado conservadores de direita e de esquerda e de outro, suponho, progressistas de direita e de esquerda também é sinal dos tempos, próprio do discurso pós-moderno que confunde propositalmente os campos ideológicos e nega a distinção fundamental entre os dois lados da política moderna, desde a Revolução Francesa: a esquerda e a direita.

A propósito, quando o Governo Lula mantém o mesmo modelo econômico sob a hegemonia do capital financeiro, a mesma política macroeconômica ortodoxa, a mesma política social (programas focalizados de combate à pobreza), os mesmos métodos políticos "heterodoxos" de seus (ex) adversários e as mesmas fontes e formas de financiamento das campanhas ele é de direita (progressista/conservadora) ou de esquerda? Ou ele é, simplesmente, uma "metamorfose ambulante"?


* Professor e ex-Diretor da Faculdade de Ciências Econômicas da UFBA. Autor dos livros "História do Plano Real" (Editora Boitempo) e "A Economia Política do Governo Lula"(Editora Contraponto).

Nenhum comentário: