07 julho, 2006

‘Oposição boliviana é formada por forças políticas em extinção’

Cientista político boliviano analisa os rumos do governo Evo Morales e vê oposição agarrar-se à questão da autonomia regional como forma de reduzir sua derrota. E cita pesquisas mostrando que, ao contrário dos últimos 15 anos, a maioria da população acha que sua vida será melhor nos próximos anos.

Gilberto Maringoni – Carta Maior

LA PAZ – O jornalista e professor de Ciência Política da Universidade Real de La Paz, Roger Cortez, é um dos mais agudos analistas do processo político Boliviano. Autor do livro “Poder e processo constituinte na Bolívia”, Cortez avalia que mesmo nos anos mais duros da implantação do modelo neoliberal, a ebulição social indígena já prenunciava as mudanças que ocorrem atualmente no país. Quando lhe perguntam “O que vai acontecer à Bolívia?” Cortez não titubeia e responde “Já aconteceu”. A chegada ao poder de um líder das maiorias indígenas, secularmente marginalizadas pelas elites brancas, mostra uma transformação profunda na sociedade boliviana. Na sexta-feira, 30, Roger Cortez falou à CARTA MAIOR. Eis os principais trechos da entrevista.

CM – Estamos às vésperas de uma eleição decisiva para a Bolívia. No entanto, o que se vê nos meios de comunicação é apenas um debate sobre a autonomia regional. O que se passa?

RC - O baixo perfil da campanha para a Assembléia Constituinte se deve às próprias características do evento. Vamos eleger 255 assembleístas, que têm a tarefa de elaborar um projeto de Constituição. Quem obtiver dois terços dos votos, poderá aprovar toda a Constituição. Os constituintes, na realidade, são 3,5 milhões, que referendarão ou não a nova Carta. Esse é o número de eleitores do país. Isso faz com que o perfil dos que se elegerão no domingo diminua. Não são candidatos a algum cargo como o de prefeito ou deputado, é um poder de outra natureza.

CM – Como se distribuirão as forças na Assembléia?

RC - A maior parte das forças políticas que chega até aqui – excetuando-se as alinhadas ao governo – são sobreviventes de uma tremenda derrota. Os três partidos com mais expressão, de oposição ao MAS (Movimento ao Socialismo, de Evo Morales), tiveram menos do que 12,5% dos votos nas últimas eleições e são agremiações em processo de extinção. Essas eleições representam sua última tentativa de sobrevivência. O que eles fazem agora? Agarram-se às bandeiras do “Sim” ou do “Não” à autonomia, buscando algum tipo de vitória. Na verdade, carecem de projetos e suas direções vivem uma perplexidade profunda. Sabendo que Assembléia Constituinte pode renovar tudo tentam manter o ‘status quo’ atual. A pergunta feita na cédula do plebiscito não é isenta e busca dirigir a Constituinte. Vamos ler sua primeira frase: “Você está de acordo, nos marcos da unidade nacional, em dar à Assembléia Constituinte o mandato vinculante para estabelecer um regime de autonomia departamental (...)?”. A frase busca colocar a decisão entre o “Sim” e o “Não” acima da Constituinte.

CM – A Bolívia não é uma federação. Os Departamentos não têm leis próprias e nem assembléias legislativas. A reivindicação pela autonomia não seria justa?

RC - Eu acho perfeitamente válido incorporar a questão da autonomia dos Departamentos na Constituição. Mas o debate concreto tomou outro rumo. Tornou-se uma maneira de se criar uma falsa polarização entre setores empresariais, de oposição, e o governo. Por isso agora voto no “Não”. A Constituinte não pode ter nenhuma condicionalidade prévia. O debate atual sobre a autonomia não a qualifica e nem especifica se teremos também uma autonomia cultural, territorial e quais serão as hierarquias procedimento adotados. Mesmo que a Constituinte defina a autonomia, estará colocado apenas um princípio geral. Sua materialização será objeto de leis ordinárias no Congresso. A direita nunca quis discutir a Assembléia Constituinte.

CM – O que ela quer?

RC - A oposição quer um plebiscito. Não está preocupada com a Constituinte ou com o número de votos que possa obter. Insegura de seu desempenho eleitoral, ela busca se proteger numa agenda própria. Assim, o “Sim” ou o “Não” definem muito pouca coisa. O que desejam é reduzir sua margem de derrota. Não obstante, a regra da Constituinte é aprovar as questões pela maioria qualificada de dois terços, o que favorece muito a minoria.

CM – Além da direita, há uma oposição de esquerda ao governo?

RC – Sim. Mas a ultra-esquerda joga de maneira reflexa à da direita. Não entrou na disputa e não tem a Constituinte na agenda. São grupos que tiveram sua importância nas grandes lutas sociais de anos atrás, como o de Felipe Quíspe. Ele foi uma liderança central em 2000 e 2001. Em 2002 teve uma votação altíssima para presidente na capital: 180 mil votos. No ano passado não teve nenhum. Sua base indígena o castiga pelo autoritarismo e sectarismo racista.

CM – Como o sr. vê a situação do governo boliviano diante do cenário internacional?

RC - Estou seguro que a legitimidade do governo deve aumentar. Evo tem uma capacidade impressionante de flexibilizar a tática política, mantendo seus objetivos. Quando se olha para as medidas tomadas nesses cinco meses de governo, pode-se ver que, apesar de seu impacto, elas foram feitas com uma prudência extrema. Ele estudou cada uma delas por vários meses e só deu passos que julgava seguros. Por isso, por sua habilidade, é que acho que não encontrará problemas maiores no plano externo.

CM – O que poderá avançar no que toca à nacionalização dos recursos naturais?

RC - Não acredito que nesse processo Constituinte teremos surpresas na área da nacionalização dos recursos naturais. Ela foi feita de maneira muito equilibrada. A Assembléia Constituinte é um passo de um caminho já iniciado. Às vezes se pergunta “o que vai acontecer à Bolívia?” Eu respondo: “Já aconteceu”. Esse processo vem de anos nos porões da sociedade. Veja só: um menino indígena, pastor, vendedor de água nas ruas e líder sindical tem características tidas como negativas em nossa sociedade. Não é formado, não se comporta como as elites. Quando esse menino chega à presidência da República, mostra a milhões que tudo é possível. O discurso secular de que eles [os indígenas] seriam feios, incapazes, tortos e ignorantes cai por terra e mostra um profundo processo social em marcha. Por isso, a ação política precede a Assembléia Constituinte e temas como hidrocarbonetos e propriedade da terra serão apenas ratificados. O principal foi feito, não há surpresas.

CM – Pessoalmente, o sr. é otimista ou pessimista com o processo?

RC - Sou tão otimista quanto a maioria da população boliviana. Há algumas semanas foi feita uma pesquisa e 64% dos sondados afirmou que nos próximos três anos sua situação será melhor ou muito melhor. Isso é surpreendente, pois a Bolívia foi um laboratório do pessimismo nos últimos 15 anos. O mesmo se aplica à economia. É preciso entender que esse processo indígena já existia mesmo nos anos em que o neoliberalismo tinha muita força. Estamos na verdade, entrando numa disputa sobre o papel do Estado. Ficará o Estado velho, centralizador e anti-democrático, ou teremos um novo, democrático, público e participativo? A meu ver a construção do novo Estado deve envolver três questões básicas. A primeira é ser um Estado intercultural. Temos um governo intercultural apoiado pela maioria da população, que deve ter maioria na Constituinte. Em segundo, precisamos de uma reforma político-administrativa que envolva uma autonomia real. A terceira é a ampla presença popular a definir as bases desse novo Estado, para que o controle público e cidadão sobre ele seja definidor de seus rumos.



Reggae e Socialismo: http://www.orkut.com/Community.aspx?cmm=12329912

Voto Heloísa Helena - Sergipe: http://www.orkut.com/Community.aspx?cmm=12329912

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